Várias mulheres são forçadas entrar na carreira de empreendedorismo depois de serem demitidas por conta da maternidade. Isso é escolha?
Patrícia Villa Nova* Publicado em 15/06/2025, às 06h00
Ao longo dos anos trabalhando diretamente com mulheres empreendedoras, tornou-se evidente para mim que, muitas vezes, o caminho do empreendedorismo feminino não nasce de um desejo genuíno de realizar um sonho antigo de ter o próprio negócio, mas sim de uma necessidade urgente de sobrevivência e adaptação. As razões que levam tantas mulheres a se lançarem no mundo dos negócios são complexas e, muitas vezes, dolorosas. A demissão após a licença-maternidade, o esgotamento físico e emocional causado por ambientes corporativos tóxicos e pouco empáticos, além da falta de flexibilidade para conciliar vida profissional e pessoal, são gatilhos que se repetem constantemente nas histórias dessas mulheres.
Os dados mais recentes do Sebrae mostram que as mulheres já representam 48% do universo de empreendedores no Brasil. No entanto, por trás desse dado que, à primeira vista, pode parecer sinal de avanço, há uma realidade que precisa ser encarada com mais profundidade – cerca de 34% dessas mulheres empreendem não por vocação, mas por necessidade, após serem desligadas do mercado formal ou enfrentarem situações que as colocam à margem dele. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de 2022, revela um dado ainda mais alarmante – 58% das mães que retornam ao trabalho após a licença-maternidade enfrentam dificuldades para se recolocar em seus empregos anteriores, sendo frequentemente demitidas ou escanteadas. Soma-se a isso o dado da International Stress Management Association, que aponta que 54% das profissionais brasileiras sofrem de burnout, uma síndrome que não apenas afeta a saúde mental e física, mas também força muitas mulheres a repensarem seu modelo de trabalho.
Portanto, enquanto boa parte dos homens encara o empreendedorismo como uma oportunidade para expandir negócios, inovar ou gerar riqueza, muitas mulheres se veem empurradas para esse caminho como uma forma de driblar as barreiras impostas por um mercado que ainda não as acolhe plenamente. As histórias que escuto no projeto que coordeno, que conecta mulheres empreendedoras de todo o Brasil, são, na maioria das vezes, marcadas por esse padrão: profissionais extremamente capacitadas, com anos de experiência, que se veem, subitamente, dispensadas, especialmente após se tornarem mães, ou que atingem o limite da exaustão em empresas que não oferecem condições dignas de trabalho.
O que poderia ser uma jornada de realização e autonomia, frequentemente se transforma em um percurso cheio de desafios desiguais. A sobrecarga é evidente, além de tocarem seus negócios, essas mulheres continuam, em sua maioria, sendo as principais responsáveis pelos cuidados da casa, dos filhos e, muitas vezes, de familiares idosos. A chamada “dupla jornada” permanece como uma realidade que se agrava no contexto do empreendedorismo.
Mesmo aquelas que, de fato, possuem perfil empreendedor e enxergam oportunidades de mercado, não estão livres das barreiras estruturais que limitam o crescimento de seus negócios. Um dos maiores entraves é o acesso ao crédito. Dados do Banco Mundial indicam que apenas 32% dos financiamentos para negócios no Brasil são concedidos a mulheres. Isso não é mero acaso, mas resultado de uma cultura financeira que historicamente subestima a capacidade feminina de gerir negócios, exigindo garantias mais rígidas ou oferecendo linhas de crédito com condições menos vantajosas.
A cobrança social também pesa de forma desproporcional. Enquanto homens que se dedicam ao empreendedorismo são frequentemente enaltecidos como visionários, inovadores e líderes, as mulheres ainda são questionadas com frequência sobre quem está cuidando dos filhos, da casa ou se não estão sendo egoístas por priorizar seus projetos profissionais. Esse tipo de julgamento, velado ou explícito, mina a autoconfiança e acrescenta mais uma camada de estresse ao já desafiador mundo do empreendedorismo.
Além dessas questões econômicas e sociais, é preciso reconhecer que existe um viés de gênero profundamente enraizado no tecido empresarial e cultural do país. A maternidade, por exemplo, ainda é vista como um “problema corporativo”, quando, na verdade, deveria ser tratada como parte natural da vida e da diversidade dos ambientes de trabalho. É urgente a implementação de políticas corporativas que apoiem mães de forma efetiva, com jornadas flexíveis, possibilidade de home office sem penalizações, além de ambientes inclusivos que entendam as múltiplas dimensões da vida feminina.
O fortalecimento de redes de apoio entre mulheres também é essencial. O conceito de sororidade, que tanto se disseminou nos últimos anos, precisa ser aplicado na prática. Empreender sozinha, além de ser exaustivo, limita o crescimento. A troca de experiências, parcerias e mentorias é uma estratégia fundamental para que as mulheres consigam não apenas sobreviver no mercado, mas prosperar de forma sustentável.
O empreendedorismo feminino, portanto, não pode mais ser encarado como um plano B, uma alternativa forçada para quem foi excluída ou marginalizada pelo mercado de trabalho tradicional. Ele precisa ser uma escolha legítima, livre e empoderadora, sustentada por um ecossistema de oportunidades igualitárias, acesso justo a recursos e uma sociedade disposta a rever seus preconceitos e práticas ultrapassadas. Enquanto isso não acontece, seguimos na luta, conscientes de que cada negócio aberto por uma mulher é, também, um ato de resistência, de reinvenção e de transformação social.
*A Patrícia Villa Nova é uma especialista em RH e empreendedorismo feminino.
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres
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