Casos de sarna, ou escabiose, têm aumentado nas creches. É necessária parceria entre familiares, professores e profissionais de saúde para evitar surtos
Damaris Gomes Maranhão* Publicado em 09/07/2024, às 06h00
A escabiose é uma infecção de pele pelo ácaro Sarcoptes Scabiei, que embora possa estar presente em populações de todo o mundo, de qualquer classe social, se torna um problema de saúde pública sobretudo em populações menos favorecidas em países em desenvolvimento, semelhante ao Brasil.
Embora a transmissão ocorra pelo contato corporal, isto não significa um simples toque de mãos, pois o contato precisa ser prolongado para que a fêmea do Sarcoptes Scabiei penetre na pele, criando uma espécie de túnel ao longo de 30 dias. Esse processo provoca lesões na forma de vesículas, pápulas ou pequenos sulcos avermelhados, onde ela deposita os ovos, que eclodem posteriormente dando origem às larvas.
O período de incubação, ou seja, o tempo desde a penetração do ácaro na pele e o surgimento da coceira e lesões é de duas a seis semanas nas pessoas que nunca foram infectadas. Aquelas que foram infectadas anteriormente podem apresentar os sintomas em uma semana.
Uma das dificuldades, sobretudo quando se desconhece o contato prévio com pessoa infectada, é identificar os primeiros sinais e sintomas e perceber a necessidade de agendar uma consulta com o médico para diagnóstico, prescrição do tratamento e orientações para evitar a reinfecção e transmissão para outras pessoas.
O ácaro é transmitido quando a pessoa que é o caso índice dorme junto com outra, como casais, irmãos ou outros familiares ou usam o mesmo colchão, lençóis, roupas contaminadas. O ácaro Sarcopts Scabiei pode sobreviver alojado em roupas, colchões, almofadas, sofás, redes de tecido e colchonetes usados nas escolas.
As roupas utilizadas pela pessoa infectada nos últimos três dias, além de roupas de cama/cobertores e toalhas devem ser lavados com água quente (55° a 60°) por pelo menos 20 minutos e passados à ferro. Roupas que não puderem ser lavadas ou, caso não haja disponibilidade da água quente, devem ficar fechadas em um saco plástico por três dias.
Em 2018, houve um surto de escabiose em um Centro de Educação Infantil Municipal em município do Estado de São Paulo, no qual o serviço de vigilância epidemiológica evidenciou o uso comum de colchonetes pelas crianças e educadores que repousavam após almoço.
Ao inspecionar alguns Centros de Educação Infantil públicos e privados foram observadas e registradas práticas inadequadas que aumentam o risco de disseminação de doenças de pele e outras, tanto pela proporção insuficiente de espaço por criança atendida, como pela disposição de colchonetes sem espaço suficiente entre eles, ou pelo armazenamento dos mesmos de forma que favorece a contaminação dos mesmos tanto por ácaros, como bactérias, vírus e parasitas.
Também foram registradas situações em que haviam rupturas no revestimento da cobertura dos colchonetes, favorecendo a proliferação de ácaros e bactérias.
O correto seria que as escolas infantis dispusessem de armários com divisórias para armazenar os colchonetes separados.
Recentemente foram publicadas notícias sobre surtos de escabiose em escolas infantis infectando crianças e funcionários, evidenciando a necessidade de parcerias entre familiares, profissionais de educação e saúde para evitar a causa da disseminação deste ácaro no ambiente doméstico e na escola. Em 2022, há notícias sobre surtos no Paraná, em 2023 em Brusque e outras cidades, em 2024 em Franca, Santos e outras cidades do litoral de São Paulo, em Itapema e no litoral vizinho de Camboriú, estado de Santa Catarina. Cogita-se que, talvez, o uso inadequado de Ivermectina poderia ter tornado o ácaro mais resistente, mas enquanto a ciência precisa continuar investigando esta hipótese, é preciso, como sempre, rever os cuidados em casa e na escola, relativos à higiene e proteção dos colchões, almofadas, roupas de cama, roupas pessoais, toalhas de banho.
Além de afetar o bem estar das crianças e famílias, é preciso considerar que doenças deste tipo podem comprometer o processo de percepção do próprio corpo, base da “construção do eu” pela criança, de sua autoestima. Para evitar surtos que podem inclusive levar a interrupção temporária do atendimento das crianças na escola, é preciso aprimorar as relações entre familiares e professores, assim como entre os profissionais do setor educacional e do setor saúde. Para fundamentar esta minha afirmação, descrevo a seguir um caso que vivenciei durante a realização da minha pesquisa de doutorado em uma creche/pré-escola pública.
A mãe de Marcos, que tinha cinco anos e frequentava a creche desde bebê, relatou durante a entrevista comigo que o seu filho ficou muito agitado, nervoso, porque os colegas falavam para ele “não encoste em mim, porque você está com sarna...aí vai pegar sarna em mim!” Ela o levava ao médico, tratava-o, conforme me mostrou as receitas. Mas ele voltava a se infectar e ela não sabia mais o que fazer.
Conversei com ela de forma acolhedora para compreender melhor o contexto, perguntando onde ele dormia e se havia sido orientada pelo médico que deveria expor o colchão ao sol quente. Também seria importante forrá-lo com cobertura impermeável, uma vez que o ácaro pode penetrar e se manter vivo no colchão e nas roupas por até 72 horas. Então ela se sentiu confiante para me contar que o colchão onde ele dormia também era usado eventualmente pelo tio, quando este era liberado temporariamente da prisão para conviver com a família. Esses cuidados associados aos cuidados prescritos pelo médico foram fundamentais para que Marcus se recuperasse e não mais se infectasse. Ao entrevistá-lo depois, como fiz com todas as crianças que participaram da pesquisa, ele relatou e também desenhou como “a creche o ajudou”.
Concluímos que as escolas precisam rever suas práticas tanto relativas aos cuidados com as crianças como na relação com os familiares para que constituam parcerias efetivas para evitar doenças transmissíveis considerando a diversidade da população brasileira. É fundamental também a parceria efetiva entre serviços de saúde que assistem crianças e familiares com os profissionais da educação visando a promoção do crescimento e desenvolvimento saudável e a educação para saúde.
*Damaris Gomes Maranhão é enfermeira Especialista em Saúde Pública UNIFESP/USP, Dra em Ciências da Saúde pela UNIFESP, Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Consultora do CEDUC e Formadora no Instituto Avisalá, Mãe do Bruno e da Melissa, avó da Clara.
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