Criança ou “mini adulto”

Você sabia que nem sempre as crianças foram reconhecidas como são atualmente? Você consegue imaginar que os pequenos eram tratados apenas como “adultos imperfeitos”, e que só possuíam identidade própria após atingir certa idade e e se trornar apto a fazer coisas semelhantes àquelas realizadas pelos adultos, com os quais estavam misturadas? Pois é. Por muitos séculos foi assim.

Todas as sociedade sempre se deram conta de que criança é diferente do adulto. Mas o conceito de infância passou por alterações significativas ao longo da história.
Por muito tempo, não houve lugar para a infância no mundo. Até mesmo na arte a infância era ignorada e não existiam crianças caracterizadas por sua expressão particular, sendo elas retratadas como homens de tamanho reduzido.

A “descoberta” da infância teria de esperar por muitos séculos quando então se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento diferenciado ao do adulto.
Assim, cuidados, saúde, alimentação, vestimentos, brincadeiras, atividades, escola, etc, tudo passou a ser reconhecido. Propostas e políticas de adequação para atender as especificações da infância foram sendo aplicadas. Muito mais do que uma faixa etária, a infância passou a ser realmente vista e tratada como uma etapa de imensos aprendizados e que demanda especificações muito singulares.

Veja também

• A crise climática e as infâncias: o que eu tenho a ver com isso?
• A importância dos brinquedos para o desenvolvimento da criança
• Quem cuida dos meninos?

Conforme aponta o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasília, 1998): “as crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio”. Durante o processo de construção do conhecimento, “as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que procuram desvendar”. Este conhecimento constituído pelas crianças “é fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação”.

Diante de tantos avanços sobre a “evolução” do conceito de infância ainda restam muitas dúvidas sobre o tratamento dado às crianças nos dias atuais.

Após tantos séculos para se conquistar o reconhecimento da infância, suas necessidades específicas e sua preservação, me questiono sobre propostas e incentivos que parecem promover exatamente o oposto.

Hoje, as crianças têm acesso a informações e situação inadequadas e inapropriadas à sua capacidade de compreensão, assimilação e discernimento. É muito comum vermos crianças “responsáveis” por escolher suas vestimentas, alimentação, atividades que vão realizar, programas que vão assistir, músicas que vão ouvir, escola nas quais vão estudar, vontades próprias que devem ser atendidas, tal como quando e como serão atendidas, dentre outras.

Inclusive, as crianças passaram a ser as “responsáveis” por definir papeis em casa, e até mesmo decidir pelos seus (teoricamente) responsáveis. A criança “tem que ter autonomia” para dicernir e então decidir o que é certo e errado, o que é bom ou ruim, o que deve ou não querer, o que pode ou não fazer, como se comportar e não se comportar. Já viram propagandas que incentivam os pais e adultos a tratarem os filhos e crianças como tratam seus amigos e outros adultos,afirmando ainda que isso é “respeitar” a criança? E muito mais...

A criança deve ser tratada como uma criança!

E quando falo sobre isso, não me refiro ao respeito, responsabilidades e autonomia saudáveis aos quais toda criança devem ter acesso. Participar de decisões e escolhas familiares, serem ouvidas, terem suas necessidades (e não todas as vontades) atendidas, etc.

Me refiro a inversão de papeis que tem colocado as crianças em posições nas quais elas voltam a protagonizar suas vidas como “adultos em miniatura”.
Será que, na tentativa de “respeitar” as vontade e ideias dos pequenos, os adultos responsáveis não estão fazendo exatamente o contrário? Será que não estamos voltando a enxergar e tratar as crianças como “mini adultos”? Será que não estamos confundindo autoriratirsmo com autoridade? Será que não estamos confundindo padrões arbitrários com responsabilidades, amor e cuidados? Será que estamos mesmo entendendo a diferença entre os conceitos de submissão, isenção, individualidade, acompanhar, guiar ou conduzir, respeito, obediência, maturidade, discernimento, auto responsabilidade, amor, desafeto, adequação, alienação, excessos?

O resultado disso? Os números da realidade mostram: aumento da ansiedade, depressão, conflitos, disnfunções, aumento no consumo de drogas, sentimentos constante de tristeza, solidão, insatisfação, desmotivação, falta de perspectiva, sentimento de desamor e falta de cuidado, revolta, confusão, pressão negativa, desorientação, auto mutilação, aumento no número de suicídio, bullying, dentre tantos outros problemas de saúde físicas, emocionais, pessoais e sociais. Tanto em crianças, quando jovens e adultos que têm crescido com essas perspectivas.

Foi preciso muito tempo e mudanças históricas para se alcançar uma consciência sobre a importância das experiências da primeira infância, para que fossem criadas políticas e programas que promovessem e ampliassem as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças, que por sua vez, passaram a ocupar lugar de destaque na sociedade.

Devemos tomar muito cuidado para não reverter essa realidade e voltarmos a olhar nossos pequenos como “mini adultos” e tirar deles aquilo que é preciso e necessário para seu desenvolvimento global saudável. Uma criança deve ser preservada e não ter que se preocupar, opinar ou acolher qualquer tipo de instabilidade dos adultos ou mesmo assumir questões complexas precoces.

Deixemos nossas crianças serem crianças. Tratemos o periodo da infância com todo respeito, cuidado e presenravção que a infância merece e precisa.

Toda criança tem o direito de SER CRIANÇA!

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.