Meu filho nasceu com 7 dedos num dos pés

A mamãe Camila fala do filho Ricardo, que nasceu com 7 dedos e já passou por duas cirurgias. E essa história tem relação com o 7 X 1 do Brasil com a Alemanha

Camila Patucci da Silva* Publicado em 27/06/2024, às 06h00

Ricardo quando era bebê - Foto: arquivo pessoal

O dia 8 de julho de 2014, para muitos brasileiros, é um dia que ficou marcado como o dia do "7 a 1", quando a Alemanha venceu o Brasil de goleada, em um dos jogos da Copa do Mundo, que aconteceu aqui no nosso país.

Para mim, esse dia ficou marcado pelo nascimento do meu filho Ricardo, que chegou ao mundo às 11h24 por parto cesárea. Mas a história do nosso "7 a 1" começa bem antes desse jogo. 

Em um dia do 6º mês da minha gestação, fui fazer a ultrassonografia de 2º trimestre (grávidas entenderão!) no centro médico do Hospital e Maternidade Santa Joana, local que escolhi para a chegada do Ricardo e, nesse exame, a médica avaliou os membros superiores e inferiores (braços e pernas, respectivamente). Meu marido, o Rodrigo, me acompanhava naquele dia. No início do exame, a médica explicou que iria avaliar braços, mãos, pernas e pés e, claro, os dedos.

 

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Rodrigo já avisou que ele havia nascido com "uma verruguinha parecida com um dedo" em cada mão e que, logo após o nascimento, os médicos "cortaram" essas "imperfeições" ainda no centro cirúrgico. Essa informação foi valiosa para a médica, que passou a avaliar os membros do nosso bebê Ricardo com mais atenção. Passou o aparelho do ultrassom pelas mãos, tudo certo! Passou no pé esquerdo, tudo certo! "Falta só o pé direito", disse a médica e logo veio um "Opa! Vejam isso!". O pé direito do Ricardo se desenvolveu com 7 (sete) dedos perfeitos.

"Deixa eu ver de novo pra ver se está certo e vou contar: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Sete dedos só no pé direito?", disse a médica, meio incrédula com o que estava vendo no exame.

Ela repetiu as mesmas imagens do pé direito umas 20 vezes e, em cima de cada dedinho, ela colocava uma seta. De fato, havia uma questão ali. A médica disse que podia acontecer, até mesmo devido ao fato de o Rodrigo ter desenvolvido um dedinho a mais em cada mão, mas que não chegaram a se desenvolver, por isso chamavam de "verruguinhas". Trata-se de um fator genético. "Converse com seu médico sobre como proceder após o parto, mas fique tranquila, pois isso em nada afeta a saúde do seu bebê, muito pelo contrário, ele é super saudável e perfeito".

 

Rodrigo, Ricardo e Camila

 

Saímos do centro médico. A caminho do restaurante onde iríamos jantar, Rodrigo só lamentava: "A culpa é minha, ele herdou isso de mim". Abaixava na altura da minha barriga e dizia: "Perdão, filho, perdoa o papai". Ficou bem chateado durante uns dias. 

Contamos para a família. Foi uma alegria! "Esse bebê já era especial desde o positivo, agora então, é único no mundo", diziam as tias que morrem de amor por ele até hoje.

Chegamos no dia do último exame antes do parto, vamos escolher a melhor data! Chegamos a um acordo: 8 de julho, na parte da manhã. Eu internaria às 5h da manhã para a minha cesárea ser às 10h. Rodrigo lembrou que, nesse dia, haveria o jogo Brasil x Alemanha pela Copa do Mundo. Até o meu obstetra brincou: "Calma, pai, o Ricardo vai nascer de manhã, o jogo vai ser só à tarde!". Parto agendado: 8 de julho, 10h.

No dia e horário marcados, estávamos nós dois, Ricardo prestes a chegar ao mundo, meus pais e minha irmã, na maternidade. Quando chegou o momento do parto, a família toda se fazia presente, na janelinha da sala de parto, lá do lado de fora: avós maternos e paternos, tias e tios, priminhos de segundo grau. Todos à espera do Ricardo.

Ricardo chegou às 11h24, parto cesárea, 47 cm, 3.300 kg e os sete dedos no pé direito. Toda a equipe no centro cirúrgico parou para ver o pé dele, que mais parecia uma bisnaguinha (rsrs). Ao abrir a janelinha novamente para a família conhecer o novo integrante, todos queriam ver o quê? O pé! Foi uma alegria! Ricardo nasceu!!!

 

O pé direito de Ricardo ao nascer, com 7 dedinhos

 

Às 14h, fui liberada para ir para meu quarto. Logo chegou o Ricardo e um chororô, música para meus ouvidos. Mais tarde, teve o jogo do Brasil, que foi atropelado pela Alemanha por "7 a 1". Após a euforia da chegada do bebê, nos demos conta de uma coincidência até engraçada: Ricardo nasceu com sete dedinhos em um dos pés no dia do "7 a 1". 

No dia seguinte, dia 9, feriado em SP, fomos a família com mais visita na maternidade. Recebemos por volta de 50 pessoas, entre família e amigos, todos trazendo muito amor ao nosso filho. E, como as notícias se espalham rapidamente, vários curiosos tentavam ver o "bebê do pé de sete dedos" que havia nascido "no dia do 7 a 1", enquanto passavam pelo corredor do nosso quarto ou em frente ao berçário, no nosso corredor também.

No terceiro dia, o Ricardo foi avaliado por uma equipe de ortopedia pediátrica da maternidade e constataram que o Ricardo nasceu com "polidactilia", uma malformação congênita caracterizada pela presença de seis dedos ou mais nas mãos ou nos pés dos bebês. No caso do Ricardo, os dois dedos extras se formaram com ossos, unhas e articulações, entre o dedão e o primeiro dedo comum. E a estrutura do pé dele também veio diferente, o pé direito era mais largo que o esquerdo, afinal, foi formado para comportar sete dedos e não cinco, como seria o correto.

Aos 2 meses de vida, passamos por uma consulta com um ortopedista, que gentilmente nos orientou a procurar por um ortopedista pediátrico especializado em pés, na AACD, pois o caso do Ricardo infelizmente seria cirúrgico, ele teria dificuldade de se locomover com um pé "normal" e ou outro pé com a malformação, mas que não precisaria ser com ele tão bebezinho, eu poderia esperar um pouco. Ao escutar essa orientação, confesso que fiquei um pouco assustada, mas vamos lá! 

Quando ele completou 5 meses de vida, finalmente liguei na AACD, sem conhecer ninguém lá dentro, e a atendente agendou consulta com o Dr. Rafael Yoshida, um dos ortopedistas pediátricos especialistas em pés, na instituição, logo para o dia seguinte. Rodrigo e eu fomos na consulta com o Ricardo. Dr. Rafael, um amor de ser humano, nos explicou que o caso do Ricardo não é raro, mas que também não tão comum, pois a malformação veio em somente um pé e que, infelizmente, os dois dedinhos teriam que ser amputados, para o bem do bebê e que o ideal seria fazer a cirurgia ainda antes de ele aprender a andar. 

Eu já sabia que isso iria acontecer em algum momento e, quando o Dr. confirmou, confiei que daria tudo certo. Não dei espaço para pessimismo. O Ricardo precisou fazer uma ressonância magnética do pé, com sedação, para que o ortopedista tivesse clareza de como estava a formação do pezinho, para poder ser certeiro na cirurgia. 

No dia 8 de abril de 2015, data que o Ricardo completou 9 meses de idade, a cirurgia foi realizada, no Hospital Abreu Sodré, da AACD. Graças a Deus deu tudo certo, o Ricardo aprendeu a engatinhar com botinha de gesso no pé, enquanto a cirurgia cicatrizava. Retirou a botinha e aprendeu a andar, como se nada tivesse acontecido, como se nunca tivessem dois dedinhos a mais no pé dele.  

Os pezinhos dele não ficaram iguais, seria impossível deixá-los iguais, pois foram formados bem diferentes. Mas isso não impede o Ricardo de nada!

Dia 6 de janeiro de 2019, com 4 anos e meio, ele passou pela segunda cirurgia, no mesmo hospital e com o mesmo Dr. Rafael Yoshida, para reparar o osso do peito do pé, que calcificou e começou a incomodar durante o uso de tênis. Essa segunda cirurgia já era prevista, só não sabíamos quando seria.

 

Ricardo após a segunda cirurgia

 

Hoje, o Ricardo sabe de toda essa trajetória que ele percorreu e sente muito orgulho. Mostra pra quem quiser ver as cicatrizes que tem no pé direito e onde ficavam os dedinhos que foram amputados. Corre, faz judô, joga futebol, usa tênis, tudo como qualquer outra criança. Acompanha o crescimento do pé com o mesmo Dr. Rafael Yoshida, na AACD, uma vez por ano. E vai completar 10 anos no dia 8 de julho de 2024! Uma década de muito amor, desafios, aprendizados, poucas e boas, mas nós três sempre juntos, Rodrigo, Ricardo e eu. Todo o meu amor por esses dois.

Dito tudo isso, a data do "7 a 1" fica marcada na minha história como "a data em que eu me tornei mãe".

Quando as pessoas ligam a data aos acontecimentos, falam: "nossa, no dia do '7 a 1', que legal!" . Respondo: "Coincidência, né? kkk".

 

*Camila Patucci da Silva trabalha com comunicação e é mãe do Ricardo

 

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