Setembro Amarelo: o que podemos aprender com sobreviventes enlutados e posvenção?

No mês da campanha Setembro Amarelo, estima-se que para cada morte por suicídio totaliza cerca de 1.755.000 indivíduos impactados por ano no Brasil

Camila Corrêa Matias Pereira e Sergio Arruda* Publicado em 27/09/2023, às 06h00

A campanha Setembro Amarelo é dedicada à prevenção do suicídio -

O suicídio é um grave problema de saúde pública, que impacta de forma significativa e contínua, a vida de indivíduos, famílias e comunidades mundialmente. Estima-se que para cada morte por suicídio, 135 pessoas podem ser impactadas por essa morte, o que pode totalizar cerca de 1.755.000 indivíduos impactados por ano no Brasil. Aqueles que perderam alguém para o suicídio, conhecidos como sobreviventes enlutados por suicídio, incluindo familiares, amigos, colegas e profissionais, enfrentam um maior risco de comportamento suicida, e cada um deles requer um cuidado personalizado e específico para suas necessidades.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), oferecer suporte aos sobreviventes enlutados é uma estratégia significativa na prevenção do suicídio, e ouvir a perspectiva dos enlutados é um ponto crucial para discussões sobre prevenção. O nome dado para as atividades desenvolvidas por, com ou para os sobreviventes enlutados tem o nome de posvenção e envolve apoio social e de pares, pesquisa científica, ações comunitárias, avaliação clínica, questões legais e desenvolvimento de políticas relacionadas ao luto por suicídio. Apesar dos avanços nesta área, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, ainda há diversos desafios a serem superados que necessitam de espaços de discussão.

Particularmente no Brasil, existe a campanha do Setembro Amarelo, que faz parte do calendário da saúde do Governo Federal, idealizada com o apoio de diversas entidades como a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Centro de Valorização da Vida (CVV), sendo extremamente importante na conscientização e sensibilização da população, aumentando a literacia em saúde mental, reduzindo estigmas e promovendo a busca de ajuda. Apesar dos reconhecidos esforços direcionados em várias esferas, setores e feitos por várias mãos, há diálogos que precisam ser abertos, para que todas as intervenções sejam feitas de forma responsável, ética, feita com sensibilidade, compreensão, cuidado e muito respeito.

 

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Alguns dos desafios observados nas ações de campanha, envolvem a falta de preparo profissional através de capacitação específica, falta de embasamento científico, falta de ações de continuidade, discurso simplista sobre a temática (quando não é considerado seu caráter multicausal), patologização do indivíduo, reforço do estigma em saúde mental, minimização do sofrimento, viés moral ou religioso e falta de cuidado com o sobrevivente enlutado por suicídio. Dessa forma, o sobrevivente enlutado vivencia momentos de esperança e de apreensão no mês de Setembro e nos meses que o antecede, com a esperança de que esse período, que é considerado de conscientização, possa fazer a diferença e reduzir novos casos e apreensão de que a comunicação não segura e o acúmulo de ações apenas em um mês possam prejudicar ao invés de ajudar.

Pensando que a prevenção é uma responsabilidade partilhada e deve ser feita pela sociedade, os sobreviventes enlutados, têm inquietações sobre como fazer a diferença para que não mais aconteça. Existe a dúvida, acerca dos “E se...” do que poderia ter sido feito para evitar a morte da pessoa querida e de como as centenas de milhares de enlutados por suicídio teriam agido se pudessem voltar no tempo, se soubessem antes o que sabem agora. Considerando as inevitáveis situações hipotéticas de "e se...", acreditamos que podemos direcionar muitos desses cenários para colaborativamente elaborar planos de ação eficazes com o propósito de prevenção, tais como:

- E se... fosse possível proporcionar à população informações precisas e atualizadas através de campanhas educacionais embasadas em fontes confiáveis? Isso nos permitiria identificar precocemente os sinais do comportamento suicida em um cuidado coletivo e em rede.

- E se... houvesse um aumento no número de profissionais de saúde devidamente treinados, preparados e valorizados para conduzir a prevenção de maneira eficaz, abordando o tópico do suicídio de forma apropriada? Quanto mais profissionais capacitados, maior a oferta de cuidado adequado.

- E se... a sociedade recebesse uma educação que promovesse o respeito pelos sentimentos e emoções daqueles que enfrentam transtornos mentais, sem fazer julgamentos, comparações ou isolamento social? A psicofobia aumenta o preconceito, o estigma, dificulta a identificação de sinais e a procura de ajuda profissional.

- E se... conduzíssemos pesquisas para avaliar a eficácia das iniciativas do Setembro Amarelo, incorporando análises científicas e ouvindo o feedback da comunidade, a fim de aperfeiçoar sua abordagem e impacto? Compreender os resultados das ações realizadas no Brasil, com recomendações para a nossa realidade, pode ajudar a campanha a atingir um público mais amplo, de forma mais eficaz. [CM1]

Há notáveis esforços em andamento no combate ao suicídio e na promoção da saúde mental, reconhecendo plenamente o potencial transformador das iniciativas coletivas nesse cenário. É inegável que há um longo caminho a percorrer, mas nossa determinação e compromisso de trazer luz à temática, com dedicação e colaboração contínua, pode moldar um futuro onde a promoção da saúde mental e a prevenção do suicídio sejam prioridades inquestionáveis.

Importante: se você ou alguém que você conhece está passando por dificuldades emocionais, não deixe de buscar ajuda profissional. Contate também o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional e atua na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail e chat. Ligue para o número 188 do telefone fixo ou do seu celular, 24 horas por dia. Conheça também a Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (ABRASES), que tem como objetivo a promoção de ações que possam amenizar os danos causados pela perda devastadora que é a morte por Suicídio.

*Camila Corrêa Matias Pereira é doutora, pesquisadora e especialista em prevenção e posvenção do suicídio, e Sergio Arruda, um empresário na área de educação e após a morte trágica por suicídio de seu filho aos 18 anos, em janeiro de 2022, criou o blog Depois da Borda, disponível no Facebook e no Instagram.

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