Elas atuam fortemente nas visões mais ecológicas e de sustentabilidade do mundo, afirma a professora Sueli Furlan, coordenadora do Movimento Circular
Redação Publicado em 27/03/2023, às 06h00
As mulheres são a grande maioria na formação básica dos cidadãos brasileiros, no ativismo de organizações sociais e no setor de reciclagem. Com presença marcante nessas áreas, elas se tornam protagonistas da prática de circularidade e sustentabilidade no Brasil. Além das conquistas históricas no mundo, o feminino também celebra neste 8 de março, Dia da Mulher, um movimento importante no sentido de cuidar para tornar a sociedade um lugar com menos lixo e em que tudo se transforma para ser novamente utilizado, assim como na natureza.
Segundo dados do Censo Escolar 2021 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 96,3% dos professores da educação infantil, 88,1% nos anos iniciais e 66,5% nos anos finais do fundamental são mulheres, assim como 57,7% do ensino médio. Portanto, a ação delas é fundamental para a formação dos agentes sociais, meninas, meninos e jovens que vão transformar o mundo.
A pesquisa “Perfil das Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público em Atividade no Brasil”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2020, mostra que as mulheres representam 72% da força de trabalho em Organização Social (OS) e 64% em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), divulgou que em 2021 as mulheres eram 70% dos 800 mil trabalhadores em atividade no Brasil.
Além disso, elas também são maioria no Brasil. De acorco com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 51,1% da população brasileira era do sexo feminino em 2021, o que representa 4,8 milhões de mulheres a mais que homens no país. “É muito interessante pensar o papel da mulher na economia circular, uma sociedade que não descarta, que vê todos os recursos e matérias-primas como circulares, produtos que estão sempre sendo reintroduzidos na natureza ou em processos industriais. A mulher tem atuado muito fortemente nos campos da visão mais ecológica e sustentável do mundo”, afirma a professora Sueli Furlan, doutora em geografia física e coordenadora do Movimento Circular.
A professora comenta que a mulher tem um importante papel social na circularidade porque participa da economia doméstica, do cuidado com os filhos, com a alimentação da família e está cada vez mais presente em todas as possibilidades de trabalho do mercado. “Ela introduz uma visão mais integrada no mercado, talvez mais arquetípica da nossa ligação com o observar, o cuidar, o promover o bem-estar, o manter uma família. Ocupam cargos, composições, difundem ideias. As mulheres contribuem com as diferenças”, afirma.
Sueli avalia que as mulheres se destacam porque predominam em postos chaves de terceiro setor, em cooperativas, sistemas de triagem e indústria de reciclagem. “Ocupa a maioria dos postos nesse setor tão importante para fazer com que as matérias-primas circulem. Por ter sido caracterizado como um trabalho informal, a princípio isso marcou bastante a participação do contingente feminino nas cooperativas. As mulheres são predominantes numericamente e também nas ações para formar pessoas como professoras. No terceiro setor, lideram grupos de ativistas e ocupam postos nas empresas em cargos de aprendizagem social para que processos industriais sejam mais ecológicos”, afirma.
A professora explica que a circularidade é um processo. “Quando usamos os recursos, estamos tentando imitar o que a natureza faz, que é ser cíclica, na qual toda energia, toda matéria está sempre circulando. A mulher vive circularidade, por exemplo, em seu ciclo menstrual. Mas os homens também vivem. A circularidade é uma parte de como funciona a natureza e nós somos natureza, portanto, temos múltiplas circularidades. Todos somos energia e matéria que circulam no ambiente”, diz.
Na economia circular, as conquistas femininas são relevantes. A professora cita desde a criação da Fundação Ellen MacArthur, criada para apoiar organizações sociais, liderada a princípio por uma mulher, até as ações de transformação comportamental, com a divulgação, difusão, formação e educação, em que as mulheres são predominantes. “A adesão da mulher às questões ecológicas, por sua percepção de responsabilidade por um mundo mais saudável, para termos gerações mais comprometidas e responsáveis com o ambiente, é muito relevante na sociedade”, alega.
A designer circular Carla Tennenbaum defende que o circular é feminino. No Fórum de Economia Circular das Américas, no Chile, foi a única representante feminina e também a única representante da América Latina no evento de abertura. No blog Ideia Circular, ela contou que se convidou para compor a plenária de abertura na véspera. Em seu discurso, apontou que a economia linear é masculina, literalmente e metaforicamente, e a economia circular é feminina..
“A economia linear foi criada por homens. Até pouco tempo atrás, eram só homens dirigindo governos e empresas. Nós trabalhávamos em casa, cuidando da casa e das crianças. Só muito recentemente passamos a atuar tomando algumas decisões do mundo produtivo. Então literalmente, historicamente, a economia linear foi criada por homens, através das ações e decisões de homens”, afirmou Carla.
Por outro lado, a economia circular fala de regeneração, de cuidado com o lugar que habitamos. “O cuidado, na nossa cultura, é uma função considerada feminina. E, como a maioria das funções femininas, ela é desvalorizada culturalmente e financeiramente. Os homens dirigem o mundo, tomam as decisões, geram valor financeiro às custas de um modelo destrutivo de extração. E nós ficamos em casa, cuidando. Ou ocupando as profissões associadas ao cuidado, de pessoas ou lugares: babás, professoras, enfermeiras, cuidadoras, faxineiras, empregadas domésticas, cozinheiras, arrumadeiras”, defende.
Para a designer, a transformação passa não só por promover mulheres a posições de poder. “Não é só sobre as mulheres, é sobre o feminino. Então, metaforicamente, a saída não é só valorizar as mulheres ou trazê-las a posições de poder dentro de um mundo masculino, mas valorizar o pensamento feminino em todos nós: homens e mulheres. E o pensamento feminino é essa sabedoria não linear, intuitiva e sistêmica. Também é esse impulso regenerativo de cuidado, que precisa ir além da esfera doméstica, para nortear os homens e mulheres que tomam decisões políticas ou produtivas que afetam a nossa coletividade”, alega.
Mestre e doutora em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP), é professora do Departamento de Geografia da FFLCH-USP e desenvolve pesquisa de pós-doutorado em Florestas Culturais na Amazônia. É também coordenadora de conteúdo e pesquisa do Movimento Circular, iniciativa de educação para Economia Circular.
Criado em 2020, o Movimento Circular é um ecossistema colaborativo que se empenha em incentivar a transição da economia linear para a circular. A ideia de que todo recurso pode ser reaproveitado e transformado é o mote da Economia Circular, conceito-base do movimento. O Movimento Circular é uma iniciativa aberta que promove espaços colaborativos com o objetivo de informar as pessoas e instituições de que um futuro sem lixo é possível a partir da educação e cultura, da adoção de novos comportamentos, da inclusão e do desenvolvimento de novos processos, produtos e atitudes.
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