A jornalista Patrícia Martins, bisneta da Dona Senhorinha, da etnia Payayá, de Jacobina (BA), faz uma homenagem às mulheres indígenas
Patrícia Martins* Publicado em 05/09/2023, às 15h00
Bartolina Sisa, é o nome da mulher indígena, da etnia Aimará que foi executada, em 5 de setembro de 1782. Essa guerreira liderou diversas mobilizações contra o domínio espanhol em Charcas, organizou acampamentos indígenas que integraram o cerco de La Paz. Bartolina e seu marido, Túpac Katari, da mesma etnia, comandaram uma rebelião contra os dominadores espanhóis, no Alto Peru, região atual da Bolívia, no ano de 1781."
Durante o “II Encontro de Organizações e Movimentos da América”, em Tiauanaco (Bolívia), foi instituído em 1983, o Dia Internacional da Mulher Indígena. A data foi escolhida em memória à Bartolina e para guardar na memória coletiva uma situação de enfrentamento e de luta pela sobrevivência dos povos originários que se perpetua até hoje. De alguns anos para cá, mulheres indígenas vêm conquistando a mais alta liderança de suas aldeias, lutando pelos direitos de seus povos, corpos, territórios e resgate de sua cultura, que são de alta relevância para seu povo.
Sou mulher indígena urbana, filha de AbyaYala. Sou filha, sou mãe, sou irmã, sou avó. Caminho nos passos dos meus ancestrais que foram silenciados, mas me deixaram um legado e uma missão. Sendo assim, não permito etnocídio comigo e com os meus jamais. Já sofremos com colonizador. Não vamos sofrer com os racismos de mentes colonizadas. (R)existir sempre”. (Kerexu Takuá)
Kerexú Takuá, significa filha da Taquara (Bambu), “que enverga, mas não quebra”, também conhecida como Cacica Alice Martins, de 41 anos, mãe de Luan, Lucas e Gabriel, e avó de Caio e Isadora. Kerexú é uma mulher indígena Guarani, em retomada de seu corpo-território. É coordenadora e fundadora do Centro de Referência da Mulher Indígena do Rio Grande do Sul e da Rede Indígena POA, rede de espaço criada para recolher donativos às mulheres indígenas. É integrante da Articulação Nacional de Indígenas em Contexto Urbano e Migrantes (REUNIU) e da rede Amazônia Passa Aqui/Porto Alegre.
Cacica Kerexú tem fortes influencias da militância de seu pai, e começou sua trajetória nos movimentos sociais quando tinha apenas 12 anos de idade. Em 2018, foi a primeira mulher indígena Guarani a ingressar pelo sistema de ações afirmativas na Universidade Federal de Pelotas, para cursar Pedagogia.
Como primeira mulher indígena a liderar o único Centro de Referência da Mulher Indígena do Rio Grande do Sul e do Brasil, a cacica realiza palestras, rodas de conversa e atividades formativas em Educação Intercultura, e discute temáticas como: indígenas não-aldeados, retomada indígena, processos de migração indígena para os centros e periferias urbanizados, invisibilidade de indígenas não-aldeados nas políticas públicas, violação dos territórios originários, violência contra indígenas, a relação da realidade indígena Guarani com a situação dos povos amazônicos. “Julgo importante dar essa visibilidade dos corpos e territórios femininos”, diz Alice.
“Por exemplo, ekó pra nós significa vida, cada ser tem o seu ekó. […] E a gente tem também o tekó, o eu, a minha vida, o meu corpo físico carregando a minha vida dentro do meu corpo. Esse corpo é uma casa, um templo da vida. E a gente tem tekoá, para nós o espaço, o ambiente onde vivem os corpos com vida. O nhanderekó é onde a vida está e é relacionado com todos: com o corpo, com o espaço, com a parte do ambiente. E nós conseguimos fazer circular essa vida, esse respiro, que eu consigo compartilhar com as plantas, com os animais, e com outros seres humanos. Então, isso para nós é o nhanderekó, é viver esse Bem Viver com todos, compartilhar isso com todos”, completa, emocionada, a Cacica Kerexú.
Eliane Potiguara, ou Eliane Lima dos Santos. Sua origem étnica Potiguara foi herdada dos avós, migrantes nordestinos. Ela é professora, escritora, ativista e empreendedora. É a primeira indígena doutora honoris causa pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e, aos 72 anos, também é considerada a primeira escritora indígena do Brasil: “comecei a estudar e a prestar atenção no preconceito que minha avó sofria por ser indígena e foi por isso que comecei a escrever essas histórias todas. Meu primeiro livro foi “A Terra é a Mãe do Índio” e foi lançado no I Encontro Potiguara de Luta e Resistência, publicado pelo próprio Grumin, através da Grumin Edições, em 1975”, revela, de forma saudosista, a escritora Eliane. Foi uma das 52 brasileiras indicadas para o projeto internacional "Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz.
Posteriormente, ela publicou mais seis obras, entre poesias, ficção e um manual de alfabetização para o povo indígena, além de participar de uma série de ontologias poéticas. Sendo o mais recente “A Cura da Terra”, voltado ao público infantojuvenil. Com seu trabalho, Eliane acredita estar “transpondo barreiras, desafios, mares”. Seu espírito guerreiro a impele a defender os povos humildes, a tirar da invisibilidade os povos indígenas do país, principalmente as “sofridas mulheres”.
Para Potiguara, o papel da mulher na luta pela identidade é natural, espontâneo e indispensável. A mulher tem a função política de gerar o filho e educá-lo conforme as tradições, assim como na sociedade envolvente. [...] Com relação à cultura indígena, a mulher é uma fonte de energias, é intuição. É a mulher selvagem não no sentido primitivo da palavra, mas selvagem como desprovida de vícios de uma sociedade dominante.
A escritora e mulher indígena paraibana, Eliane Potiguara, nos deixa uma profunda reflexão:
A coisa mais bonita que temos dentro de nós mesmos é a dignidade. Mesmo se ela está maltratada. Mas não há dor ou tristeza que o vento ou o mar não apaguem...Bonito é florir no meio dos ensinamentos impostos pelo poder. Bonito é florir no meio do ódio, da inveja, da mentira ou do lixo da sociedade. Bonito é sorrir ou amar quando uma cachoeira de lágrimas nos cobre a alma! Bonito é poder dizer sim e avançar. Bonito é construir e abrir as portas a partir do nada. Bonito é renascer todos os dias” ...(Eliane Potiguara)
Marize Para Reté se autodeclara indígena e adotou o nome Pará Reté, que significa “aquilo que vem do sagrado”, nome que Marize Guarani costuma interpretar como “a guerreira que luta e protege seu povo”. Ela foi batizada por uma pajé Guarani, com as bençãos de Nhanderu, o deus do povo Guarani. “É um nome que me honra. Honra meu espírito. Dá força a meu espírito”. Nascida no Rio de Janeiro, a professora de história Marize de 62 anos, só se reconheceu indígena há 16 anos, apesar de ter uma avó Guarani.
“Eu sempre soube dessa minha avó. Mas eu não me declarava, eu não me declarava indígena, eu não me declarava nada, por que? Porque, na verdade, quando eu nasci, eu tenho 62 anos, não existia nem o quesito indígena pras cidades. Você não podia colocar indígena como alguém que morava na cidade”, diz ela. Se autodeclarar como indígena, só apareceu nos censos de 1991 e 2000, mas ficou restrita a uma pequena amostra da população; somente no censo de 2010 é que foi estendido a todos os cidadãos no Brasil.
É importante destacar que a primeira indígena a ingressar no doutorado em Educação na Universidade Federal Fluminense (UFF), por meio do sistema de cotas indígenas, foi Marize. Ela é professora de História, Mestre em Educação pela UFRRJ. Presidente da AIAM (Associação Indígena Aldeia Maracanã). Coordenadora do ISPO-ALDEIA JACUTINGA (Instituto dos Saberes Dos Povos Originários-Aldeia Jacutinga), Coordenadora estadual e nacional do coletivo Pra Fazer Valer As Leias 10.639 e 11.645, é Conselheira do CEDIND (Conselho Estadual dos Direitos Indígenas) e membro do PARLAINDIO (Parlamento Indígena do Brasil).
A professora sempre esteve envolvida com movimentos indígenas no Rio de Janeiro, onde se referia a si mesma como descendente do povo Guarani. Mas ela conta que isso mudou quando um líder Pataxó disse a ela: “Você disse que você descende. Quem descende está em cima do muro, não tem luta. Você é uma guerreira. Então você não pode dizer que você descende. Você é”.
Durante o seu mestrado em Educação, diz Marize Guarani, que uma professora do curso perguntou se ela era “índia de verdade”. Como essa professora se declarou negra apesar de ter olhos cor de mel e pele morena clara, Marize Guarani conta que a respondeu da seguinte forma: “Mas você não nasceu na África. Você também é descendente. Então eu quero saber porque você tem o direito de se autodeclarar negra e a mim você me dá o direito de ser nada. Porque para mim, pardo é papel”. A sua colega professora ficou envergonhada e pediu desculpas, dizendo que ela “nunca tinha olhado por esse prisma”, enfatiza Marize Pará Reté.
A diáspora que o povo africano sofreu, quando vieram à força para o Brasil e para a América, a mesma diáspora sofremos nós, só que no próprio território”. (Marize Para Reté)
*Patricia Martins é jornalista e pós-graduanda de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher e gênero pela PUC-RJ.
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