Maternidade e Trabalho

Ana Paula comenta sobre as dificuldades e obstáculos enfrentados por mães que precisam conciliar maternidade e trabalho em uma sociedade patriarcal

Ana Paula Vitelli* Publicado em 24/05/2023, às 06h00

Muitas vezes, as mulheres enfrentam uma jornada dupla sozinhas -

Quando pensamos em mulher e mercado de trabalho, ou mais especificamente na mulher que trabalha, um dos temas recorrentes, e sensível, envolve a maternidade. 

Historicamente, o papel da mulher na sociedade foi construído considerando-se que cabia a ela os cuidados com a casa, os filhos e o marido.  Muito se fala da importância do envolvimento do homem nos cuidados com a casa e com os filhos, mas dados comparativos do IBGE percorrendo essa última década indicam que esse ponteiro não se mexeu:  as mulheres continuam a dedicar o dobro de tempo em relação aos homens em afazeres domésticos.  Neste sentido, o desafio entre administrar as demandas da casa com as demandas do trabalho continua presente.

O levantamento publicado nesta semana no Valor Econômico indica que 56% das profissionais que fizeram parte do estudo já foram desligadas ou conhecem outra mulher que foi demitida após a licença-maternidade.  E o tema é mais amplo:  quatro em cada dez mulheres relataram que já se sentiram discriminadas em um processo seletivo ao contarem sobre a maternidade.  

Parece absurdo que no ano de 2023 ainda estamos diante de dados como esse e que a temática mulher/trabalho/maternidade continue a ter contornos tão difíceis, seja por parte das empresas, ou por parte das próprias mulheres.  Temos diante de nós empresas que não administram bem o tema, seja porque evidenciam o preconceito em seus processos e práticas falhos sem, por exemplo, não tem qualquer programa de suporte específico para as mulheres nesse momento de suas vidas. Também devemos estar atentos para as próprias mulheres que sofrem com esse momento, tanto para comunicar a gravidez ao superior como para o retorno ao trabalho após o período de licença maternidade. 

Em minha jornada como estudiosa nessa temática de mulher e trabalho, ouvi inúmeros relatos de mulheres que chegam aos seus superiores para comunicar uma gravidez, carregadas de culpa e de receio.  Culpa por acharem que deixarão de ser uma colaboradora tão dedicada, uma vez que o tempo passará a ser “dividido” com o filho, deixarão de ser profissionais tão boas, dedicadas e competentes.  Receio por não saberem como essa chefia irá reagir – se irá acolher esse momento, se isso retardará sua carreira ou até a colocará na fila de demissão.

 

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Em meu livro “A Mulher (In)Visível: vida, trabalho, caminhos e escolhas”, fruto de minha pesquisa de doutorado com entrevistas em profundidade com 42 mulheres gerentes, a questão da maternidade apareceu com uma carga emocional grande para essas mulheres.  Para as que eram mães, angústia e culpa como sentimentos rotineiros por essas mulheres não estarem tão presentes na vida dos filhos.  A necessidade de administrar conflitos, fazer sacrifícios, sentir-se em desespero, um sentimento enorme de autocobrança foram termos usados para descrever como se sentiam.   Para aquelas mulheres que ainda não tinham filhos, uma considerável angústia “antecipada” sobre a eventual futura dificuldade em conciliar filhos com a rotina de trabalho.  

Quanto ao retorno da mulher ao trabalho após a licença-maternidade, esse é um momento também vivido com ambiguidades, considerando o grupo com o qual eu conversei.  Por um lado, a mulher quer retornar às suas atividades profissionais e sentir-se produtiva nesse contexto.  Por outro, é um momento vivido com angústia pela necessidade de conciliar esses dois mundos – maternidade e trabalho.  Foi comum ver depoimentos de mulheres que estavam considerando deixar o mundo corporativo no retorno à empresa, pela ansiedade de acharem que não conseguiriam conciliar as esferas.  Só acabaram por ficar na empresa, pois a chefia direta apoiou e acolheu esse momento.  Falas como “vamos esperar seis meses, se você então achar que não quer ficar, aí você toma a decisão final” demonstraram esse apoio e empatia.

É fato que a mulher precisará se dedicar aos cuidados com o bebê logo após o nascimento e para isso a licença maternidade cumpre esse papel ainda que seja justamente o gatilho que gera preconceitos, afinal a profissional estará ausente de suas atividades profissionais durante aquele período.  No entanto, olhar para essa ausência de maneira isolada é uma visão míope – essa profissional que tem pela frente décadas de tempo produtivos, será avaliada pelo período de 4 ou 6 meses que estará fora? 

Se estamos, todos, buscando sociedades mais inclusivas e mais saudáveis em todas as esferas, temos que olhar para a questão da maternidade e trabalho com cuidado e atenção:  entender o que se passa com as mulheres, como as empresas podem atuar para acomodar essas diferenças que se estabelecem na carreira entre mulheres e homens.  Se as grandes empresas já estão mais maduras para essa questão, ainda que não isentas de falhas, as pequenas e médias, como indica o levantamento do Valor, ainda tem muito caminho a percorrer.  Precisamos continuar a falar sobre isso e ajudar empresas e mulheres nessa jornada. 

*Ana Paula Vitelli é Doutora em administração, especialista em Educação Executiva e autora do livro A Mulher (IN)visível: vida, trabalho, caminhos e escolhas.

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