Projeto Territórios da Agricultura tem papel fundamental ao promover o protagonismo feminino na agroecologia
Redação* Publicado em 14/09/2023, às 06h00
A ONU Mulheres - Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres - estima que, se tivessem acesso adequado a terras e crédito, as mulheres brasileiras do campo poderiam aumentar a produtividade de alimentos em 30% e reduzir sua fome em 17%, colaborando para a prosperidade da comunidade como um todo. Mas, apesar de representarem cerca de 43% dos trabalhadores rurais nos países em desenvolvimento, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), elas ainda são minoria nos processos de tomada de decisão e liderança.
Recentemente, após nova edição da mobilização conhecida como “Marcha das Margaridas”, que reuniu mais de 100 mil mulheres do campo em manifestações e debates em Brasília, o Governo Federal divulgou uma série de ações com o propósito de fortalecer o empoderamento feminino também no segmento rural. Entre elas, está a prioridade para a seleção das mulheres no Plano Emergencial de Reforma Agrária, a cota obrigatória de 50% de público feminino na Assistência Técnica e Extensão Rural Agroecológica no Semiárido e o Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver para Mulheres Rurais.
“A atuação das mulheres no campo e na produção dos alimentos remonta aos povos originários e a toda a nossa ancestralidade”, destaca Mariana Monferdini, coordenadora do projeto Territórios da Agricultura, realizado pela Evoluir, empresa que gera valor e impacto social por meio de iniciativas educacionais, culturais e socioambientais na perspectiva da Educação Integral. “Mas a valorização disso é o grande desafio e gargalo, porque, na sociedade atual, na maioria das situações, o homem é o proprietário das terras e é ele que gerencia os recursos”.
Mariana acredita que isso vem mudando, ainda que de forma gradual, nos últimos anos. “Ainda temos muitos desafios mas, depois de vermos um verdadeiro desmonte dos programas voltados para as trabalhadoras rurais, é animadora essa retomada e o direcionamento de recursos diretamente para as mulheres. Elas trabalham ali, lado a lado com os homens, em parceria, muitas vezes são líderes e sustentam a família. É fundamental que esse lugar e esse direito sejam reconhecidos”.
A coordenadora do projeto acrescenta que o empoderamento feminino é parte essencial do Territórios da Agricultura, que foi pensado para estimular de forma gratuita, com apoio da iniciativa privada e da Lei Federal de Incentivo à Cultura, a construção coletiva de soluções que possibilitem a produção, consumo e comercialização de alimentos saudáveis, e que já envolveu mais de 260 representantes comunitários em nove cidades do Brasil. “Durante a jornada formativa, temos encontros presenciais, onde abordamos uma série de temáticas estruturantes, desde a sustentabilidade ambiental até o desenvolvimento de competências que promovem o maior protagonismo da comunidade envolvida, como comunicação respeitosa, metodologias participativas e elaboração de projetos. As mulheres fazem a diferença na construção coletiva dos sonhos e realizações, pensando no coletivo, com a visão de nutrir e preservar sua cultura”.
Mariana lembra que as mulheres são muito presentes nos projetos sociais e ambientais, e no Territórios da Agricultura não é diferente. “Sempre registramos um engajamento muito grande das agricultoras e lideranças em todas as propostas que visam trazer mais empoderamento, mostrar novos caminhos e fomentar a troca de conhecimentos e experiências. São oportunidades de abrir novos horizontes, posicionando a mulher, de fato, como agente transformador no campo para um futuro mais includente, produtivo e saudável”, conclui.
Interação comunitária e multiplicação do conhecimento
Rosani Passos, técnica em agroecologia e gestora ambiental do Sítio Diamantina, em Camaçari (BA), integra o projeto Territórios da Agricultura desde a primeira edição, em 2022. Para ela, um dos benefícios foi justamente poder conhecer e trocar ideias com outros agricultores da região, o que gerou novas ideias. “A partir dessa formação, criamos um centro de sustentabilidade e agricultura familiar, onde um contribui com o outro, com mutirões, troca de sementes e mudas. Isso vem fortalecendo a produção local, e a maior parte dos participantes são mulheres, então a gente enxerga a nossa importância nesse processo”.
A gestora ressalta que a capacitação do projeto mudou a forma de pensar e elaborar as soluções na comunidade. “Aprendemos muito sobre questões como gerenciamento de conflitos e a relevância de já ter um projeto pronto para buscar o recurso, além do mapeamento da cadeia produtiva. Ficamos muito felizes com essa nova edição. Esse ano, estamos com um grupo diversificado, em que metade são agricultores e metade são pessoas que vêm do poder público e da iniciativa privada, então está bem interessante essa troca de experiências”.
Marnilda Sá, gestora do Sítio Agroecológico Santa Rita em Manaus (AM), também participa do Territórios da Agricultura. À frente de uma unidade voltada para a educação ambiental, com a criação de abelhas nativas e extrativismo de óleo de andiroba, ela acredita que a formação oferecida pelo projeto dá a todas a possibilidade de pensar fora da caixinha. “A mulher pode sim chegar aonde quiser, tem espaço para ela também, e nessa iniciativa a gente consegue olhar para além dessa agricultura familiar convencional. É possível trazer outra visão de empreendedorismo para dentro desses espaços, como o turismo rural, um espaço de educação ambiental ou, de repente, agregar ali produtos que não sejam somente da terra, mas que ela consegue criar a partir de cursos, vivências e oficinas”.
A gestora concorda que a troca de conhecimentos é um ponto de destaque. “Podemos conhecer o que o colega está fazendo e contar o que fazemos. Temos atividades educativas em que levamos às abelhas até as escolas públicas e promovemos a conscientização sobre sua importância para a polinização e a disponibilidade de alimentos”, relata Marnilda. “Estamos conseguindo impactar as pessoas de forma positiva. Acho que o trabalho dentro da agricultura familiar não pode ser individualizado, solitário, precisamos compartilhar e engrandecer cada vez mais o que a gente tem feito na terra. Somos duas mulheres aqui à frente do sítio. Queremos mostrar que, se a gente é capaz dessa realização, com certeza todas são. Não como coadjuvantes, mas como protagonistas”.
Em 2023, o Territórios da Agricultura acontece em Camaçari (BA), Campinas (SP), Manaus (AM) e Uberlândia (MG).
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