A mulher e o saneamento básico

Saiba a importância do saneamento básico para nossas vidas

Renata Ruggiero Moraes* Publicado em 05/04/2023, às 06h00

O saneamento básico é urgente -

Não é novidade que o setor de saneamento básico é predominantemente masculino. E, diante do mês em que o calendário mundial enfatiza duas importantes datas – 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e 22 de março, Dia Mundial da Água – convido você a fazer uma reflexão sobre esses dois temas.

Em 2023, quase 35 milhões de pessoas no Brasil ainda vivem sem acesso à água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta e ao tratamento do esgoto. Cenário praticamente medieval, que resulta em um contexto de saúde pública com alta incidência de doenças de veiculação hídrica, que poderiam ser facilmente evitadas com o mínimo de condições dignas de habitação e saneamento.

Recentemente, o Instituto Trata Brasil divulgou a segunda edição do estudo “O Saneamento e a Vida da Mulher Brasileira”. Segundo a publicação, uma em cada quatro mulheres não são abastecidas com água tratada com regularidade, além de 41,4 milhões ainda residirem em casas sem coleta de esgoto. E para nossa surpresa, indo na contramão do que se esperava com o passar dos anos, o índice de mulheres sem banheiro em casa cresceu, passando de 1,6 milhão para 2,5 milhões. Nesta segunda edição do estudo, ainda foi realizada uma análise sobre como a falta de saneamento básico impulsiona a pobreza menstrual. O relatório também reforça que o acesso universal ao abastecimento de água e coleta de esgoto poderá tirar mais de 18 milhões de mulheres da condição de pobreza.

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Esses números escancaram as consequências e o impacto negativo da falta de saneamento básico na vida dos brasileiros, em especial das mulheres, e aprofundam ainda mais o abismo que é a desigualdade de gênero no país, deixando evidente que a mulher é certamente a maior excluída quando o assunto é o saneamento básico.

O cenário fica ainda mais sem sentido quando passamos a constatar que é a mulher, na maioria das vezes, a protagonista nos cuidados e asseios da família e do lar. A alma feminina está essencialmente ligada a características tais como sensibilidade, criatividade e senso de cuidado, com o outro e com o meio ambiente. E para promover o desenvolvimento sustentável, esse cuidado é fundamental para impulsionar o movimento de transformação do status quo.

Diante desse contexto, é inconcebível a formulação de estratégias e políticas públicas e privadas para se atingir a universalização do saneamento básico que não tenham a mulher como um elo fundamental para o acesso a condições sanitárias dignas a todos os habitantes do planeta.  

Para fomentar essa transformação, o Instituto Iguá apoia o acesso à água tratada e ao saneamento para comunidades em situação de vulnerabilidade social; estimula a criação de soluções inovadoras; desenvolve iniciativas educativas em relação à importância do ciclo da água para a sociedade como um todo; e, visando contribuir com um impacto sistêmico e em maior escala, contribui com a formulação de políticas públicas para o setor. Isso tudo buscando sempre envolver outros atores e parceiros estratégicos, pois acreditamos que juntos certamente vamos mais longe.

Uma das nossas iniciativas coletivas é o Comunidade Lab realizado na Vila Moraes (no município de São Bernardo do Campo, grande São Paulo), comunidade onde residem cerca de 500 famílias (boa parte delas liderada por mulheres), sem nenhuma estrutura de coleta e tratamento de esgoto. Isso expõe essa população à saúde precária e aos impactos negativos no desenvolvimento cognitivo e educacional de crianças e adolescentes, além de impactos de ordem econômica e ambiental, com a contaminação do solo e dos cursos d’água, já que se trata de uma área de preservação ambiental próximo à Represa Billings. Em parceria com a Associação Biosaneamento, Scania e diversos outros parceiros, o trabalho tem sido transformar a comunidade em um laboratório a céu aberto, através da implantação de tecnologias descentralizadas, acessíveis e sustentáveis para a coleta e tratamento do esgoto, assim como do envolvimento da população local na sua implantação e manutenção. Os esgotos e resíduos domésticos são usados para a geração de biogás e biofertilizante. A ação aumenta a qualidade de vida, a conscientização ambiental e proporciona dignidade aos moradores. E o aprendizado é sistematizado possibilitando a replicação da experiência em tantas outras comunidades no Brasil e tornando o case um exemplo prático de caminhos coletivos entre os diversos setores e a sociedade civil, em prol do desenvolvimento de cidades sustentáveis e resilientes.

Essa e outras iniciativas que contribuem para a universalização do acesso ao saneamento no Brasil têm levado dignidade à população mais vulnerável, especialmente às mulheres, demonstrando que pessoas realmente importam.  Portanto, para o mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, mais do que parabéns, desejo respeito, cuidado, água tratada e coleta de esgoto. Afinal, o saneamento só será básico quando for realmente para todos!

 

*Renata Ruggiero Moraes, diretora presidente do Instituto Iguá

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