Ativistas da organização social Todaz na Política comentam sobre a disparidade entre homens e mulheres em espaços de poder
Dandara Lima* e Tamires Fakih** Publicado em 05/12/2022, às 06h00
O começo da "nova era" em que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa" invocado pela ex-ministra da Mulher e senadora eleita pelo Distrito Federal, Damares Alves no primeiro mês do Governo de Jair Bolsonaro, talvez não tenha se concretizado da maneira como ela desejou. Ainda assim, a distopia de Damares não foi totalmente superada. Afinal, a política institucional continua agindo para manter a norma nos papéis sociais atribuídos às mulheres e aos homens. A divisão sexual também pode ser encontrada na equipe de transição do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva.
Não se trata de uma falsa simetria naquilo que Damares acredita e defende e na louvável tentativa de Lula de compor uma equipe diversa, em que a cada dois homens encontramos uma mulher e em que há a presença de mulheres negras e indígenas, entre outros grupos minorizados. A caráter de comparação, na equipe de transição montada pelo bolsonarista eleito para governar o Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a proporção é de quatro homens para cada mulher.
Ao analisar a equipe de transição de Lula chama atenção a completa ausência de mulheres no grupo técnico (GT) que tratará da Economia e o fato de apenas uma mulher compor o GT de Minas e Energia; uma no GT de Planejamento, Orçamento e Gestão; uma na Previdência Social e uma no de Relações Exteriores. Por outro lado, os GTs em que encontramos menos de 50% de sua composição formada por homens são o de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; de Esporte e de Igualdade Racial.
Cabe lembrar que a divisão sexual do trabalho se refere à maneira como a sociedade é coercitiva quando impõe postos de trabalho diferentes para homens e para mulheres. Na equipe de Lula é possível perceber a divisão sexual nos temas dos grupos de trabalho. Historicamente, uma das linhas de raciocínio que foram utilizadas na defesa de políticas afirmativas para maior representação política para mulheres é a suposta diferença moral[1] entre homens e mulheres - que daria a elas mais sensibilidade para tomar decisões. Esta é uma leitura essencialista e ultrapassada. Como se, por essência, caberia à mulher temas "sociais", enquanto aos homens caberia as hard politics - administração pública, política econômica e relações internacionais. Este é um esquema hierárquico em que apenas homens são autorizados a administrar os temas de maior prestígio político.
Se mulheres mais frequentemente optam por tratar de temas sociais, o motivo principal é que este é o espaço que é disponibilizado para elas - vide o exemplo da equipe de Lula. Desta forma, ignoram que, a exemplo da ex-presidenta e ex-ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, ou de Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra da Economia, mulheres e homens podem exercer o poder da mesma maneira e o que não falta são excelentes economistas, contabilistas, advogadas e tantas outras profissões que carregam os saberes necessários para ocupar estes cargos de prestígio.
A divisão sexual também implica o acesso de mulheres a cargos de alta gestão nos ambientes profissionais, bem como na diferença salarial entre homens e mulheres que ocupam os mesmos cargos. Esses fatos expõem o longo caminho que a sociedade brasileira deve percorrer até que a equidade de gênero seja um componente da nossa formação social.
Cabe esperar e pressionar para que, na definição dos ministros e ministras, o presidente eleito atente-se ao fato de que mulheres também usam azul e estão prontas para ocupar as pastas mais concorridas da Esplanada dos Ministérios.
*Dandara Lima é jornalista, especialista em marketing eleitoral, mestranda em Poder e Processos Comunicacionais pela Universidade de Brasília e Coordenadora de Comunicação da Todaz na Política.
**Tamires Fakih é Presidenta da Todaz na Política, gestora de políticas públicas e doutoranda em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo.
[1] Para aprofundamento no tema, sugerimos a leitura do artigo "Desvelo e interesse na teoria feminista", de Luis Felipe Miguel, disponível no livro "Teoria Política e Feminismo: Abordagens Brasileiras" de 2012.
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