A importância da alimentação na primeira infância

Especialista dá dicas de como promover uma relação de amor e respeito com a criança nessa fase de descobertas da alimentação

Carol Murgel * Publicado em 01/11/2023, às 11h00

Conquistar a confiança da criança para o processo de experimentação não precisa necessariamente começar na mesa -

Desde que o mundo é mundo, sabemos que para sobrevivermos precisamos nos alimentar. Mas o que muita gente não sabe é sentir fome é natural, é fisiológico, saber comer não. Assim como andar, engatinhar, ler, escrever a criança (o bebê) em sua fase inicial de vida precisa passar por várias camadas de experiência para adquirir essa habilidade com efetividade.

Nessa fase, precisamos proporcionar diferentes oportunidades para o bebê: ofertar diferentes texturas, cores, temperaturas. Ele precisa apender, por exemplo, o que é uma banana, como ela é, que força ele precisa fazer para segurar esse alimento, qual seu sabor, sua textura. A partir dessa experiência repetida várias vezes, ele efetiva esse conhecimento.

A criança que tem respeito autonomia e independência na alimentação, adquire memórias positivas em relação a comida e aos momentos de refeição. Isso a ajuda a construir de forma mais eficiente seus hábitos alimentares, que não é linear, tende a mudar ao longo da vida e ao longo das fases de desenvolvimento também. Além disso, quando esse processo é respeitado, há mais chances de ela aceitar melhor determinados alimentos, mas não garante que ela não vá vivenciar questões como gatilhos de medo ou nojo, pois estas estão imediatamente ligadas ao desenvolvimento neurológico na alimentação.

É totalmente normal a criança recusar algo que amava no dia anterior, dizer “eca” de certas coisas simplesmente porque ainda não aprendeu a verbalizar o que sente naquele momento. Todos são comportamentos naturais da fase neurológica da criança. A diferença está em como nós, adultos, vamos guiá-los e conduzi-los nessas fases. No fim, o que ajuda a criança a manter essa boa aceitação ao longo, principalmente, da sua primeira infância é o nosso comportamento.

 

A cultura da experimentação como aliada

Muitas vezes, ouvimos de nossos amigos ou familiares a fatídica frase “meu filho nunca comeu ‘tal alimento’ porque eu não gosto. Fui obrigada a comer quando criança e peguei trauma.”

Para conseguir um bom hábito alimentar dos nossos filhos, precisamos antes revisitar os nossos. Mas como? Provando, colocando aquilo que não gosta no seu prato também. É um exercício difícil sim, mas aos poucos será possível entender como uma grande oportunidade de ressignificar aquele momento do passado, agora, com seu filho.

Conquistar a confiança dele para o processo de experimentação não precisa necessariamente começar na mesa, com o prato posto. Há métodos lúdicos e eficazes de trazer essa aproximação alimentar aos poucos, por exemplo, levando ao mercado para conhecer o alimento do dia que será degustado pela primeira vez, levar ele para a cozinha e pedir o auxílio na limpeza ou preparação quando possível etc. Assim, conseguimos trazer mais segurança para o momento da prova que vale lembrar não ser apenas colocar à boca. Tocar, cheirar, mexer também são formas de experimentação. Proporcionando segurança nesse momento conseguimos vencer o medo.

Importante levar em consideração no processo de conhecimento e experimentação de novos alimentos as crianças com seletividade comportamental, ou seja, questões sensoriais que podem efetivamente causar dores físicas à criança e dificultar esse processo. Neste caso, a recomendação é sempre procurar um especialista na área para avaliar e acompanhar.

 

 

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E brincar com a comida, pode?

Antes de mais nada, precisamos explicar que brincar com a comida não quer dizer desperdiçar o alimento. Porém, precisamos romper com esse ciclo rígido do processo de alimentar a criança. Viemos de uma educação tradicional, onde não existia nenhum tipo de validação e escuta ativa aos sentimentos das crianças. Estamos sempre conduzindo nossas crianças a serem quietas, obedientes, não “respondonas” etc. e depois buscamos que estas mesmas crianças se tornem adultos determinados, que defenda suas opiniões, que sejam inteligentes emocionalmente e façam boas escolhas (inclusive na alimentação), entendem que essa matemática não fecha?

Existem formas de mostrar, construir, e guiar a criança em relação a isso, de uma maneira que ela consiga compreender e perceber de acordo com sua faixa de desenvolvimento neurológico.

Precisamos entender que as crianças aprendem brincando, através do seu lado lúdico e emotivo - parte do cérebro deles que já está mais madura e consegue absorver esses ensinamentos. Então, se fizermos uso dessa ferramenta para ensinar nossos filhos esse processo de aprender a se alimentar, certamente será menos doloroso e mais divertido.

Selecionei aqui algumas frases que costumo recomendar para as famílias nesse momento de aprendizagem sem a necessidade do uso de chantagem ou obrigação. Veja:

- Olha meu batom de beterraba que lindo! Nossa minha língua ficou roxa será que a sua fica também?

- Esses brócolis estão duros ou moles? Vamos comer para descobrir?

- Duvido você conseguir explodir esse tomate com seus dentes.

- Que tal descobrimos juntos de onde vem esse alimento?

- Olha minha espada de cenoura, vamos à luta! Ah, comi sua espada!

- Quantos grão de feijão conseguimos espetar nesse palito?

- Quem será que fará o primeiro gol com essa ervilha?

 

Esses são apenas alguns exemplos que podemos usar na mesa, o segredo aqui é abusar do lúdico de acordo com aquilo que estimula mais a sua criança. Por isso observação é uma peça-chave também.

 

Qualidade de tempo e conexão facilitam o processo

Sempre digo que para tempo de qualidade não tem relação nenhuma com o tempo do relógio. Se você tem apenas 5 minutos com seu filho, use para estar de fato conectado com sua criança na mesa. Se você só está presente nas refeições nos finais de semana, faça delas o melhor momento do seu final de semana. Não existe alimentar com eficiência sem se conectar. Esse é o segredo.

Acostume-se a praticar a divisão de responsabilidade na alimentação. Os pais ficam com a qualidade do alimento ofertado, a rotina alimentar e a forma como as refeições serão feitas. A criança tem o direito de escolher o que ela vai comer dentro daquilo que foi ofertado e o quanto ela vai comer.

Quando você usa isso como ponto de referência tudo vai ficando mais leve. Por fim, parem de focar na nutrição. Ficamos tão apreensivas e preocupadas com o nutrir que esquecemos do que vem antes disso. Que é justamente a construção de uma boa relação dessa criança com os momentos de comer e com os alimentos. Respeite a criança, foque na boa relação e veja o processo acontecer!

 

*Carol Murgel é educadora parental especializada em seletividade comportamental infantil (@alimentandocomrespeito)

 

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