A guarda compartilhada e a vida religiosa da criança

As decisões sobre a guarda compartilhada devem ser sempre na busca pelo interesse maior da criança

Roberta Paiva e Douglas Ribas Jr.* Publicado em 23/02/2024, às 06h00

Conflito de uma guarda compartilhada -

Exercer a guarda de uma criança significa não só dispensar a ela amor, respeito e cuidados, como também, participar de todas as decisões que envolvem o seu bem-estar, com vistas ao seu desenvolvimento pessoal, moral, intelectual e emocional. Por essa razão é crucial entender o que é a guarda e a diferença entre a modalidade unilateral e a compartilhada.

Em poucas palavras, se pode dizer que guarda é o “poder familiar”, ou seja, o poder sobre as principais decisões da vida do menor.

A guarda é unilateral se os direitos e deveres referentes ao menor recaem apenas sobre um dos genitores. No caso da guarda compartilhada, como o nome sugere, as decisões devem ser divididas entre os genitores, sempre na busca pelo interesse maior da criança.

Antes da Lei nº 13.058/2014 era mais frequente o exercício da guarda unilateral, já que a guarda compartilhada não era a regra, tratando-se apenas de uma opção. Ocorre que, desde então, a guarda compartilhada virou regra, o que traz a responsabilidade de ambos os genitores pelas decisões fundamentais da vida da criança, abrangendo o aspecto moral e religioso, tema do nosso artigo.

A vida como ela é

No final do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) divulgou notícia sobre a condenação de mulher que teve que indenizar o ex-companheiro privado de participar do batizado dos filhos.

A notícia provocou reflexão justamente sobre a importância da compreensão do que se espera dos pais na guarda compartilhada e o que pode acontecer se os deveres atribuíveis a ambos forem ignorados.

O tempo não volta ... o dinheiro como forma de reparar e educar

O TJSP determinou que a mulher indenizasse o ex-companheiro por danos morais, no valor de R$ 5 mil.

Conforme constou do processo, os pais possuem guarda compartilhada dos filhos e a mãe, sem comunicar o pai das crianças, decidiu batizá-las. O batizado ocorreu sem o conhecimento e a presença do pai, assim como dos parentes paternos.

O pai se sentiu afrontado e desrespeitado em seu direito de participar ativamente da escolha da religião na qual os filhos seriam inseridos e, por essa razão, bateu às portas do Judiciário. O seu desejo foi para que recebesse indenização da mãe das crianças, de forma que a dor no bolso pudesse servir de estímulo e medida educativa para que o correto passasse a ser observado frente às decisões conjuntas.

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Logo, tendo a mãe privado o pai da participação na escolha da religião e, como se não bastasse, da própria cerimônia do batizado, retirando também das crianças o direito à presença do genitor e dos demais familiares, o Judiciário acertadamente não perdoou!

E como não se pode trazer de volta a cerimônia do batizado, momento marcante especialmente na vida das crianças e dos pais, a boa e velha reparação financeira fez as vezes.

Impôs-se, pois, a condenação da mãe no aspecto financeiro e até moral. Isso porque além da penalização financeira, o aprendizado veio com lições importantes do desembargador Carlos Alberto de Salles.

O lado educativo também esteve presente

Referido julgador pontuou que, de acordo com o divórcio celebrado entre os pais, ambos são responsáveis pelas decisões envolvendo a criação, educação, saúde e lazer dos filhos, independentemente a quem seja atribuída a residência das crianças.

Salles ainda enfatizou a relevância do momento e afirmou que a própria mãe reconheceu nos autos que o pai é presente na vida das crianças. Conforme suas palavras, “ao ignorar o direito paterno de participar da decisão e do evento, a genitora praticou ato ilícito, por omissão, ainda que não tenha agido de forma dolosa. E os danos sofridos pelo autor por ser deliberadamente excluído de parte da vida das crianças, juntamente com os parentes paternos, são notórios”.

A decisão que reconheceu a responsabilidade da mãe pela indenização ao pai foi unânime!

Para concluir, é importante que os pais efetivamente entendam as regras aplicáveis à guarda dos filhos e saibam das responsabilidades e direitos de ambos, sempre com vistas ao melhor interesse dos filhos! O caso bem demonstrou que a omissão é capaz de produzir grandes estragos, mesmo que tenha ocorrido sem qualquer intenção.

 

Roberta Paiva

 

*Roberta Paiva, mãe do Felipe e da Clara, é graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2004 e pós-graduada em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Participou de cursos variados na área do Direito Contratual, Condominial e de Locação, pelas quais possui especial apreço. Atua em consultivo e contencioso, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário e Societário. Está sempre de olho nos assuntos relacionados à maternidade, educação e nas soluções dos conflitos familiares dados pelo Judiciário.

Advogado Douglas Ribas Jr.

 

*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.

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