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FDA retira tarja preta de risco para doenças na reposição hormonal

Nova análise da FDA indicou que o risco para doenças é minimizado quando a terapia hormonal é usada de forma adequada, como na menopausa

Vanessa Kopersz* Publicado em 12/11/2025, às 10h00

Mulher aplica creme no braço
"Tarja preta" das terapias de reposição hormonal com estrógenos foi baseada em pesquisas antigas e afastou muitas mulheres do tratamento - Foto: Canva Pro

A FDA solicitou a remoção da 'tarja preta' das terapias de reposição hormonal com estrógenos, após 23 anos, ao concluir que os riscos associados foram exagerados, o que pode aumentar o acesso das mulheres a esses tratamentos e melhorar sua qualidade de vida.

A análise recente da FDA, apoiada por novas pesquisas, sugere que a terapia hormonal, quando bem indicada, minimiza riscos de doenças cardíacas e câncer, refletindo uma mudança significativa na abordagem médica em relação à menopausa.

Enquanto a pesquisa sobre menopausa ainda é subfinanciada, iniciativas como o MyPausa no Brasil e o aumento na certificação de profissionais de saúde nos EUA indicam um movimento crescente para melhorar o cuidado e a compreensão sobre a menopausa, embora desafios persistam na aceitação e eficácia da terapia de reposição hormonal.

Resumo gerado por IA

Após 23 anos, a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos,  FDA, pediu que os fabricantes retirem a "tarja preta" das terapias de reposição hormonal com estrógenos, pois essa medida foi baseada em pesquisas antigas. A decisão foi motivada pela conclusão de que a terapia, quando bem indicada e acompanhada por um profissional, não representa os riscos anteriormente alertados e que a "tarja preta" tem afastado mulheres do tratamento. A primeira pergunta que faço é: quantas mulheres perderam sua qualidade de vida – ou até mesmo a vida- por causa desse ‘’deslize’’ de décadas? A nova análise da FDA, baseada em pesquisas mais recentes, indicou que os riscos de ataques cardíacos, derrames e câncer são minimizados quando a terapia hormonal é usada de forma adequada, especialmente em formulações modernas e bioidênticas.

A verdade é que apenas nos últimos 5 anos, graças ao trabalho de mulheres visionárias como a neurocientista italiana Dra. Lisa Mosconi e a médica americana Dra. Mary Claire Haver é que o tema Menopausa veio à baila para ajudar mulheres desesperadas em busca de seu ‘’antigo eu’’ ou de suas versões outrora saudáveis, antes de Menopausa.

Antes, a ala feminina costumava encarar a famosa ida ao médico seguida da frustração de ouvir ‘’é Menopausa, é assim mesmo, você envelheceu, tem de aguentar’’, exceto palavras de alguns médicos mais avançados nos estudos. Pois sim, a comunidade científica pouco dava atenção a esse assunto.

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Por exemplo: já existem, catalogados, mais de 1,2 milhão de estudos sobre gestação na PubMed, espécie de biblioteca geral sobre artigos científicos. Mas apenas uma fração disso -pouco mais de 100.000- aborda a Menopausa...

Isso mostra o quanto essa fase da vida feminina foi negligenciada por décadas, tanto pela ciência quanto pela medicina tradicional. Para o ginecologista Guilherme Renke, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Personalizada (SBMP) e membro do board da Sociedade Europeia de Menopausa e Andropausa (EMAS): “não procede a informação de que faltam estudos relacionados com implantes hormonais; muitos deles já foram muito bem estudados e publicados recentemente, inclusive com relação à segurança dessa terapia (Hernandez, 2025; Donovitz, 2021; Renke, 2024). Outros grandes estudos, inclusive, estão em andamento com registro na plataforma Brasil, especialmente com o implante de Gestrinona, como o estudo GLADE, CLARA, ARESI, entre outros.”

Em algumas partes do mundo, a situação também pode estar mudando, embora lentamente. Um número crescente de profissionais de saúde está demonstrando interesse em se certificar para tratar a Menopausa. Nos Estados Unidos, entre 2022 e 2024, houve um aumento de cinco vezes no número de pessoas se inscrevendo para fazer o exame de certificação da Menopause Society, uma organização sem fins lucrativos em Pepper Pike, Ohio.

A prestigiada Revista Nature perguntou a algumas das maiores agências de financiamento para pesquisa em saúde nos Estados Unidos e na Europa sobre seu histórico e planos para pesquisa sobre Menopausa. A esmagadora maioria dos estudos na área de envelhecimento não considera o tema. O NIH (National Institufe of Health) estabeleceu uma categoria para pesquisa sobre menopausa em 2023 e está trabalhando em uma agenda de pesquisa. Os valores envolvidos não são grandes, mas isso não é uma surpresa completa. A misoginia perdura até nas pesquisas médicas: condições que afetam principalmente as mulheres recebem muito menos financiamento do que aquelas que afetam predominantemente os homens. O NIH alocou US$ 56 milhões para estudos sobre Menopausa em 2023, projetando um aumento para US$ 58 milhões neste ano.

A Agência Avançada de Projetos de Pesquisa em Saúde dos EUA, que foca em tópicos de alto risco e alta recompensa, tem dois projetos sobre Menopausa que, juntos, valem US$ 13,5 milhões, sendo um para estender a função ovariana e a vida útil, e outro para desenvolver implantes ovarianos para prevenir doenças associadas à menopausa.

O Horizon Europe, o maior programa de financiamento de pesquisa multinacional do mundo, concedeu € 12 milhões (US$ 12,4 milhões) a um consórcio de universidades para um projeto chamado Caramel, que visa prevenir doenças cardiovasculares em mulheres de 40 a 60 anos. No entanto, o Horizon Europe não tem uma categoria separada para menopausa. Também não possui uma categoria para a saúde das mulheres, em vez disso, inclui o assunto em um portfólio geral de concessões de "saúde".

Em outubro passado, a Pivotal Ventures, uma organização estabelecida pela filantropa Melinda French Gates, lançou uma rodada de financiamento de US$ 250 milhões destinada a organizações em todo o mundo que trabalham para melhorar a saúde das mulheres. No geral, no entanto, a Menopausa não é uma categoria definida para muitos dos maiores financiadores filantrópicos do mundo, incluindo Wellcome em Londres e a Fundação Gates em Seattle, Washington. Possivelmente por essa razão, nenhuma dessas agências foi capaz de informar à Nature a extensão precisa de seu financiamento relacionado à Menopausa.

No Brasil, a ginecologista e pesquisadora Fabiane Berta, fundadora do Grupo Illumina, criou em 2023 o MyPausa, movimento que propõe uma reforma no cuidado à saúde feminina: o projeto trouxe o primeiro registro nacional sobre Menopausa no Brasil. O estudo foi realizado nas 27 capitais com a participação de 1.592 pessoas — incluindo mulheres cisgênero e homens trans entre 35 e 65 anos.

Mas, voltando ao ponto de partida: sem dúvida, desassociar a Terapia de Reposição Hormonal ao Risco de Câncer, Infarto e AVC, como fez o FDA, é um grande passo, mas isso não significa que a TRH seja a grande bala de prata ou a ‘’cura’’ da Menopausa. Por experiência própria, posso dizer que, para mim, o tratamento resolveu aspectos importantes como palpitações e fogachos, mas pecou em aliviar os sintomas mentais e a fadiga. São 3 anos entre indas e vindas, trocas de médicos, troca de hormônios e tentativas. Nas comunidades virtuais sobre Menopausa que frequento, também vejo relatos de mulheres que estão tentando se acertar há anos com a TRH, sem sucesso – o que traz mais desânimo ao quadro mental já prejudicado. Outras mais sortudas, como a apresentadora Angélica, encontraram a fórmula rapidamente. ‘’Sinto-me como uma fênix após a reposição’’, costuma dizer.

Já a atriz Naomi Watts narra, em seu livro, ’Vou Te Contar: Tudo o Que Queria Que Tivessem Me Falado sobre a Menopausa’, que passou por muitos ajustes entre adesivos, sprays e comprimidos para encontrar a estabilidade em sua TRH e que o processo foi penoso e levou anos, deixando-a ‘’frustrada’’.

O que percebo é que a comunidade médica ainda patina quando o assunto é Terapia de Reposição Hormonal e que somos uma geração de cobaias. Frequentei diversos médicos de altíssima reputação e notei que as opiniões sobre TRH entre eles quase nunca coincidiram. Esta é uma ciência, como tantas outras, de muitas tentativas e erros e na qual cada corpo reage de uma maneira a diferentes tipos de hormônios. O Estradiol parece ser o mais bem tolerado, enquanto a Progesterona serve apenas para mulheres que não têm o chamado ‘’efeito paradoxal’’ – nesse caso, o hormônio, que geralmente tem efeitos calmantes, causa ansiedade, irritabilidade, insônia ou depressão, devido a fatores genéticos ou individuais que alteram sua metabolização e ação no cérebro (meu caso). Muitos médicos também têm opiniões distintas quanto à Testosterona. Discordâncias entre médicos são absolutamente normais. O que não é normal é dar às costas a um tema que atinge a qualidade de vida de bilhões de mulheres no mundo todo e que é sim, uma doença. Mas, ao que parece, o mundo está girando e a Menopausa finalmente recebe a atenção que sempre mereceu.

*Vanessa Kopersz é jornalista na luta por um climatério melhor - Menocausa

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