Entenda como a inteligência artificial transforma o ambiente de trabalho e como a inteligência relacional permanece essencial
Camila Antunes* Publicado em 14/11/2025, às 06h00

A crescente automação e o uso de inteligência artificial no trabalho levantam questões sobre o que permanece humano e quais habilidades são insubstituíveis, destacando a importância da liderança que não pode ser delegada.
Um relatório do Fórum Econômico Mundial prevê a criação de milhões de novos empregos até 2030, que exigirão tanto habilidades tecnológicas quanto competências humanas, como liderança e empatia.
Camila Antunes, em seu livro 'Coloque os Filhos no Currículo', defende que habilidades parentais devem ser valorizadas no ambiente de trabalho, pois são essenciais para a construção de relações e confiança, aspectos que a tecnologia não pode replicar.
Nos últimos meses, muito se tem falado sobre o real impacto da inteligência artificial no trabalho. Algoritmos já escrevem textos, tomam decisões e executam tarefas com eficiência impressionante, além de operacionalizar tarefas repetitivas.
Mas, dentre tantas transformações no campo tecnológico, há uma pergunta que me inquieta sempre: o que continua sendo humano? Quais os limites entre humanidade e tecnologia?
Enquanto empresas correm para treinar máquinas, talvez o verdadeiro desafio da liderança contemporânea seja reconhecer o que não é delegável — o que é intransferível.
O relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado este ano, estima milhões de novos empregos que serão criados até 2030, e que demandam tanto habilidades tecnológicas em IA, big data e segurança cibernética, como habilidades humanas, classificadas como liderança, pensamento criativo, resiliência, flexibilidade, agilidade, pensamento analítico e colaboração.
Veja, existem sim tarefas que podem e devem ser automatizadas. A tecnologia precisa ser vista como uma extensão da inteligência humana, e líderes precisam usar a IA como copiloto, porém, há funções que pertencem exclusivamente ao campo humano como a presença, a escuta, o vínculo, o discernimento ético, a coragem de se vulnerabilizar.
Essas são as competências que constroem confiança, como diz a pesquisadora norte-americana, Brené Brown.
Ela que é referência em assuntos ligados à liderança – conhecida pela famosa teoria do pote de bolinhas de gude para explicar a construção da confiança -, faz uso recorrente das competências que aprende dialogando com a própria filha em suas palestras pelo mundo.
Segundo ela, as competências centrais dessa relação, e que são vitais para o trabalho, passam pelo ato da coragem, empatia, resiliência à vergonha, viver os valores. A vulnerabilidade, por sua vez, é a base para a construção de um líder forte.
Ser líder é exercer um tipo de inteligência que nenhuma máquina domina: a inteligência relacional. Ela nasce da experiência, da imperfeição e da empatia — não de dados.
Há dez anos, eu fui “promovida” ao cargo mais exigente e transformador da minha trajetória: o de mãe. Desde então, descobri que liderar não é sobre ter todas as respostas, mas sobre sustentar processos de crescimento — nossos e dos outros — com presença, coerência e vulnerabilidade.
Essa é a escola da parentalidade: o treinamento diário em improvisar, negociar, escutar, acolher e, ainda assim, seguir. Competências invisíveis aos olhos do mercado, mas fundamentais em tempos de incerteza.
A parentalidade me ensinou que liderar é um ato de presença, e essa não se delega. Nenhum software pode amar no seu lugar, construir confiança no seu lugar, se responsabilizar no seu lugar. Essa é a essência da liderança intransferível: aquela que só pode ser vivida por quem está inteiro.
Quando tudo pode ser automatizado, o diferencial passa a ser o que é insubstituível. E o que é insubstituível, no fundo, são pessoas que sabem se relacionar. Líderes capazes de sustentar vínculos, atravessar conversas difíceis e gerar pertencimento.
O futuro do trabalho deve ser profundamente humano ou simplesmente não haverá futuro. E esse é justamente um dos pontos que defendo no meu mais recente projeto: o livro “Coloque os Filhos no Currículo”, em que convido a liderança a reposicionar o cuidado como vantagem competitiva no mundo do trabalho.
Mas, para isso acontecer de verdade, é preciso que as habilidades parentais sejam percebidas e valorizadas como aprendizado, uma escola, além de uma plataforma concreta de desenvolvimento humano e profissional.
No meu livro mostro habilidades essenciais que todos nós, profissionais com filhos, adquirimos no dia a dia: o saber cuidar, o saber educar, o saber negociar limites, o saber comunicar expectativas, o saber lidar com conflitos e o senso de priorização. Ouso a dizer que essas são as habilidades mais desejadas no momento no mercado de trabalho.
Enquanto a IA progride, talvez o maior avanço que podemos fazer como sociedade seja relembrar que cuidado também é competência e, felizmente, ainda não é automatizável. E é fato: todos saem ganhando quando a cultura corporativa valoriza habilidades parentais.
Pense nisso!
*Camila Antunes é formada em Direito e Pedagogia, escritora, palestrante e especialista em inteligência emocional e parentalidade, é cofundadora da consultoria Filhos no Currículo. Transforma a forma como a parentalidade é percebida no trabalho e encoraja pessoas a se apropriarem de suas histórias, reconectando-se com sua força e autenticidade depois da chegada dos filhos.
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