Na primeira infância, o brincar é a chave para construir conexões neurais, vínculos afetivos e preparar o futuro das crianças
Geane Rovere* Publicado em 25/09/2025, às 08h00

As relações familiares, assim como o ambiente escolar, são fundamentais para o cuidado das crianças na primeira infância. Toda a base afetiva, emocional e social é construída nos primeiros anos da infância (0 a 6 anos) — etapa crucial em que o cérebro se desenvolve a uma velocidade incrível, moldando bases cognitivas, emocionais e sociais para toda a vida. Até os 6 anos, o cérebro realiza aproximadamente 1 milhão de sinapses por segundo, com 90% das conexões neurais formadas nessa fase, entendimento destacado por várias organizações, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Se não compreendemos esse retrato com a devida urgência, perdemos a oportunidade de construir uma base sólida para as nossas crianças.
Ao investir na educação infantil, estamos fazendo uma aposta no futuro de nossa sociedade. Quando pensamos em transformação real, precisamos olhar, prioritariamente, para a primeira infância e, sobretudo, reconhecer que o brincar é a ferramenta essencial de desenvolvimento desta fase da vida. Estudos diversos na neurociência mostram que a atividade favorece a junção social das crianças, troca de ideias, experiências e recursos de imaginação. Quando familiares e outros cuidadores brincam com as crianças, estão, na prática, construindo um cérebro saudável e programado para aprender e interagir.
Entretanto, não podemos ignorar o desafio cultural existente. Dados da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal indicam que apenas 15% da população reconhece a primeira infância como a etapa mais importante do desenvolvimento humano, enquanto 42% desconhecem completamente este termo.
Para um melhor entendimento sobre a importância de investir na primeira infância é preciso engajar a sociedade como um todo no desenvolvimento e na proteção das crianças.
É por entender essa urgência que a Evoluir desenvolveu o projeto Trilha das Descobertas, que emerge como uma resposta concreta à necessidade de colocar uma proposta lúdica pedagógica no centro da educação infantil. Para além de valorizar o brincar na infância, o projeto contempla a formação dos educadores, para que possam atuar como guias da autonomia infantil e fomentar ambientes de aprendizagem mais criativos, seguros e inclusivos, através de experiências lúdicas que, sabemos, fortalecem a base afetiva e emocional das crianças.
E como viabilizar esta proposta? Entendemos que em muitas salas de aula da rede municipal de ensino os recursos são escassos e os professores necessitam de apoio instrumental. Nossa metodologia consiste em cinco “Caixas das Descobertas” que levamos para o ambiente escolar — um conjunto completo de materiais de arte, instrumentos musicais, jogos, fantoches, itens de jardinagem, recursos sobre saúde e alimentação, além de uma biblioteca de livros infantis. Esses recursos dialogam com os cinco campos de experiência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e promovem um desenvolvimento integral alinhado aos objetivos da educação pública.
Nos últimos dois anos o projeto, viabilizado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e com o apoio de parceiros privados (Ferroport e Braskem), beneficiou diretamente mais de 5.000 crianças, 400 educadores e 65 escolas públicas em diversas cidades brasileiras. E em cada edição do projeto pude perceber, junto aos professores, um aumento na segurança e na criatividade para aplicar as propostas com os alunos. Entre as principais mudanças percebidas mais citadas pelos educadores após aplicar a metodologia em sala de aula estão o aumento da expressividade, das habilidades exploratórias e do nível de envolvimento nos processos de aprendizagem.
O Trilha das Descobertas não é apenas uma intervenção educativa; é um movimento para ressignificar a educação pública de forma afetiva e inclusiva, reconhecendo o brincar como ferramenta essencial de desenvolvimento e de equidade social. Ao investir na primeira infância, investimos no retorno de longo prazo para nossa sociedade — em educação de qualidade, em menos desigualdade e em uma comunidade mais humana. O brincar é ciência em ação, é aprendizagem em movimento, é o alicerce da nossa cidadania.
*Geane Rovere é coordenadora executiva do projeto da Evoluir, empresa de projetos educacionais, assessoria pedagógica e editora de livros, e coordena o projeto Trilha das Descobertas
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