Cerca de 82% das mulheres relatam sintomas de depressão e ansiedade no climatério e menopausa
Vanessa Kopersz* Publicado em 06/11/2025, às 13h00
Na cruel loteria genética, as mulheres têm duas vezes mais chance de desenvolver depressão do que os homens, segundo dados da Santé Publique France, a agência de saúde pública francesa. A vulnerabilidade feminina à doença está relacionada a causas ambientais e fisiológicas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão atinge cerca de 350 milhões de pessoas no mundo. Porém, as mulheres, ao contrário dos homens, atravessam períodos complicados, de grandes transformações hormonais, como a menarca, a gravidez e a menopausa.
A menopausa/ perimenopausa é um período particularmente vulnerável para as mulheres e 82% delas relatam sintomas de depressão e ansiedade, de acordo com um levantamento realizado pela plataforma Plenapausa.
Durante o período da perimenopausa, os hormônios gonadais como estrogênio e progesterona estão em constante mudança. Em particular, o estrogênio, que atua no sistema nervoso central, oscila e declina durante a perimenopausa. O estrogênio desempenha um papel no aumento dos níveis de serotonina e norepinefrina, neurotransmissores comumente implicados na causa fisiopatológica da depressão.
À medida que os níveis de estrogênio diminuem durante a transição da menopausa, suspeita-se que os níveis de serotonina e norepinefrina também diminuam, o que pode estar associado ao aumento da prevalência de depressão durante esse período. Há até especialistas como a Dra .Marie Claire Haver, do Reino Unido, que afirma a perda da eficácia nos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (como sertralina, paroxetina, escitalopram, fluoxetina) na peri e na menopausa.
“Os antidepressivos ISRS continuam eficazes na menopausa, embora algumas mulheres possam responder de forma um pouco diferente devido às mudanças hormonais naturais dessa fase. A queda do nível de estrogênio pode influenciar a forma como o cérebro responde à serotonina, o que, às vezes, torna o tratamento mais variável, mas não o torna ineficaz. Em geral, os resultados são melhores quando o tratamento combina medicamentos, psicoterapia e, quando indicado, suporte hormonal. Nos últimos anos, surgiram também novos medicamentos nos EUA, como a brexanolona e a zuranolona, que atuam em vias cerebrais ligadas aos hormônios femininos e têm mostrado bons resultados em mulheres no período perimenopausal”, explica o Dr. Rodolfo Damiano, Psiquiatra, professor do programa de pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da USP, onde também coordena o ambulatório de Depressão Resistente ao Tratamento, Autolesão e Suicidalidade.
Além disso, a queda abrupta de hormônios atua negativamente na produção de neurotransmissores, tais como serotonina, dopamina e GABA. Estas substâncias têm ação direta no humor, sono e bem-estar.
‘’Mulheres que já tiveram quadros depressivos ou ansiosos, ou com predisposição genética a transtornos da saúde mental, possuem uma área do cérebro, o sistema límbico, mais sensível a essas variações hormonais. O estrogênio atua como ‘controlador-mestre’ da serotonina; com menor concentração dele no corpo, o antidepressivo perde parte de sua eficácia. Além disso, o estresse crônico, a sobrecarga emocional do período e a inflamação sistêmica típica dessa fase amplificam o quadro’’, explica a Dra. Maysa Penteado Guimarães, clínica geral e nutróloga. Para completar, o metabolismo hepático, a microbiota intestinal e a biodisponibilidade de nutrientes mudam, alterando a resposta ao medicamento.
Outras mulheres chegam até a desenvolver síndrome do pânico. ‘’A amígdala, região do cérebro ligada ao medo é o nosso alarme interno. Ela detecta perigo antes mesmo de termos certeza de que há algo errado e é quem dispara a taquicardia, a sudorese e aquela sensação súbita de ‘vou morrer agora’. O estrogênio ajuda a calibrar esse sistema, evitando que ele toque sirene por qualquer barulho de fundo’’, explica o Dr. Luiz Scocca, Psiquiatra pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e Membro da American Psychiatry Association. ‘’Logo ao lado, o hipocampo funciona como o arquivo de memórias emocionais. Ele lembra o que foi realmente ameaçador e o que apenas pareceu ser. Quando o estrogênio está em níveis adequados, o hipocampo aprende melhor e ajuda o cérebro a apagar medos antigos. Quando ele cai, as lembranças assustadoras ficam mais vivas do que deveriam’’, completa Scocca.
O córtex pré-frontal é o gerente racional do conjunto - aquele que diz à amígdala “calma, não é um ataque, é só o elevador travado”. Sob influência do estrogênio, ele mantém esse diálogo equilibrado. Mas quando o hormônio despenca, o pré-frontal perde autoridade, e a amígdala toma o microfone. Resultado: pânico.
‘’E o hipotálamo? Ele é o maestro das reações físicas. Se o estrogênio está em baixa, ele exagera: libera cortisol, acelera o coração, faz o corpo acreditar que está diante de um tigre — mesmo que o “tigre” seja só uma reunião por Zoom’’, finaliza o psiquiatra.
Essas oscilações explicam por que o transtorno do pânico aparece com mais frequência em mulheres e tende a piorar em fases de queda hormonal — como na TPM, no pós-parto ou na menopausa. É o cérebro reagindo a uma desafinação do seu maestro hormonal.
É claro que os transtornos ansiosos como o pânico são complexos e outros fatores são importantes. No entanto quando o estrogênio está em boa forma, o sistema volta a funcionar em sincronia: a amígdala se acalma, o hipocampo contextualiza, o pré-frontal raciocina e o corpo respira. Um equilíbrio hormonal bem afinado é, em última instância, o que permite ao cérebro reagir com emoção, mas sem pânico.
O que fazer para melhorar, então? A maioria dos especialistas aposta na Terapia de Reposição Hormonal, a fim de manter um nível mínimo de estradiol para que o cérebro volte a ter sua engrenagem azeitada. Segundo o Dr. Andre Malavasi, Médico Assistente da Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ‘’os níveis de estradiol devem estar acima de 50pg/ml’’ para que as mulheres tenham o mínimo de saúde mental no climatério. Para o Dr. Cesar Eduardo Fernandes, Professor Titular de Ginecologia da Faculdade de Medicina do Centro Universitário do ABC e Presidente da Associação Médica Brasileira, em mulheres que já tem uma história pregressa de transtornos mentais, ‘’admite-se, empiricamente, sem evidências científicas robustas, que nestes casos as doses de estrogênios recomendadas podem ser um pouco maior’’.
Há também estudos afirmando que mulheres na pós-menopausa com depressão resistente ao tratamento apresentaram efeitos antidepressivos rápidos com a aplicação intravenosa do anestésico cetamina. Em 2020, a Anvisa autorizou o cloridrato de escetamina, substância derivada da cetamina, para esse uso no Brasil. A droga é administrada em forma de spray ou infusão intravenosa e só deve ser aplicada em ambiente hospitalar ou em clínicas autorizadas, em geral em uma ou duas sessões por semana, durante um tempo limitado de poucas semanas, com doses muito mais baixas que as usadas em procedimentos anestésicos.
Segundo estudos canadenses, mulheres na pós-menopausa experimentaram efeitos antissuicidas da cetamina intravenosa mais rapidamente do que mulheres na pré-menopausa. É sabido que a Cetamina age rapidamente na ideação suicida. ‘’ Esses pensamentos se originam em uma área chamada habenula lateral, responsável por comportamento social negativo. Estudos em cobaias mostram que é uma região cerebral central, um hub para o quadro depressivo e comportamento suicida. É um núcleo cerebral do tamanho de uma ervilha, mas quando super ativado gera esse comportamento. Felizmente, essa área possui receptores de glutamato do tipo NMDA. A Cetamina bloqueia essa hiperatividade reduzindo ou eliminando esses pensamentos’’, diz o Dr. Tiago Gil, médico anestesista responsável pelo Centro de Cetamina, em São Paulo. Por enquanto, o maior entrave para o uso desse tratamento promissor é o preço, altíssimo. Mas dependendo do plano de saúde, há chance de cobertura de custos através de liminares judiciais.
*Vanessa Koperszé jornalista na luta por um climatério melhor - Menocausa
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