A médica Denise Iezzi comenta sobre como os alimentos ultraprocessados fazem mal para a saúde
Denise Iezzi* Publicado em 11/08/2022, às 08h55
Caro leitor, eu gostaria de estar mais otimista de modo que eu pudesse pensar em outro título para este texto. Mas, infelizmente, nós humanos estamos trabalhando a passos largos para o adoecimento completo da nossa espécie. A cada ano que passa ouvimos notícias sobre como a tecnologia vem ajudando a indústria alimentícia a se desenvolver. Seria perfeito se esse desenvolvimento viesse amparada de uma preocupação com a saúde da população.
De tempos em tempos, a indústria cria novos alimentos e os vendem sob a justificativa da praticidade, do sabor sem igual e do tempo de preparo instantâneo. Cria-se embalagens com imagens que chamam atenção aos nossos olhos e está feito o produto. Embora esteja ali na embalagem, as informações nutricionais passam despercebidas aos olhos do consumidor que, em muitos casos, sequer sabem do que se trata. Os alimentos ultraprocessados são formulações prontas para consumo, e feitos inteiramente, ou em grande parte, a partir de substâncias extraídas de alimentos, como óleos, gorduras saturadas, açúcares livres e proteínas. Também pode ser extraído de ingredientes alimentícios, como gorduras hidrogenadas e amidos modificados ou à base de materiais orgânicos como é o caso dos corantes, ceras e aromatizantes.
Todos esses são ingredientes nocivos ao nosso corpo e que estão presentes na maioria dos alimentos industrializados vendidos em qualquer supermercado perto de sua casa. Fato é que esses alimentos sempre existiram, mas a preocupação está no aumento desacelerado do consumo e isso implica diretamente na saúde das pessoas e também no aumento da população doente nos hospitais. A ingestão de alimentos ricos em gordura e açúcar desde cedo está fortemente associada à obesidade infantil, hipertensão, diabetes e aumento do risco cardiovascular precoce, entre outras complicações. Além disso, as taxas de obesidade infantil em nosso país dobraram nos últimos 10 anos.
Uma pesquisa DataSUS em 2017 apontava que 49% das crianças do MA estavam com sobrepeso, que acima de 2 anos é classificada como tendo o IMC, que é o peso dividido sobre altura elevado ao quadrado, acima do percentil 75%, e 28% estavam obesas, que é quando atingem percentil ≥ 85% e dessas, 8,3% estavam acima do percentil 97,7%, considerada obesidade grave. A doença afeta 13,2% das crianças entre 5 e 9 anos acompanhadas no Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde, e pode trazer consequências preocupantes ao longo da vida. Nessa faixa-etária, 28% das crianças apresentam excesso de peso, um sinal de alerta para o risco de obesidade ainda na infância ou no futuro. Entre os menores de 5 anos, o índice de sobrepeso é de 14,8, sendo que 7% já apresentam obesidade. Os dados são de 2019, baseados no Índice de Massa Corporal (IMC) de crianças que são atendidas na Atenção Primária à Saúde (SAPS).
Uma pesquisa publicada no final de 2021, realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que 80% das crianças brasileiras consomem alimentos ultraprocessados com frequência, incluindo crianças menores de dois anos, tornando um fato que já é grave em algo muito pior. Para forcarmos apenas nos casos de diabetes, há centenas de estudos que apontam uma evidente correlação do diabetes tipo 2 associado ao consumo de alimentos ultraprocessados e açúcares livres até dois anos de idade. A Federação Internacional de Diabetes alertou que nos últimos dois anos, entre 2019 e 2021, a incidência da doença na população mundial aumentou 16%, e mais de 214 mil pessoas morreram da doença no Brasil. Além disso, estima-se que 50% dos diabéticos no Brasil não são diagnosticados, e têm diagnóstico feito na presença de complicações crônicas, sendo as mais frequentes: doença coronariana, Acidente Vascular Cerebral, neuropatia Sensitivo-motora(formigamento em pés e mãos), insuficiência renal crônica e cegueira por retinopatia.
Os números da Federação Internacional de Diabetes mostram também que o número de pessoas que vivem com o diabetes em todo o mundo aumentou no ano passado. Atualmente, são 537 milhões de adultos portadores de diabetes. No Brasil, a última estimativa é de que 16,8 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 7% da população, tenham a doença.
É muito difícil mudarmos nossos hábitos quando nos vendem praticidade dentro de uma caixa cheio de conservantes. Mas é necessário que algo seja feito sob pena de termos que pagar um preço bem alto no futuro. Ter uma alimentação à base de alimentos que possuam nutrientes e que farão bem lá na frente. Além disso, é importante associar essa boa alimentação a uma rotina de atividade física e dormir bem. O barato, o mais prático e o “mais” gostoso de hoje, pode nos trazer uma conta alta e amarga no futuro.
*Denise Iezzi é médica com residência em Clínica Médica e Endocrinologia/Metabologia pela Universidade de São Paulo. É especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É uma das responsáveis pelo Núcleo de Diabetes do Hospital Sírio Libanês. É médica pesquisadora do Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa.
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