Rosas para Marielle

Coluna de Plínio Camillo: Rosas Para Marielle é uma coletânea de contos, crônicas e poemas em homenagem à Marielle Francisco da Silva (1979/2018)

Plínio Camillo* Publicado em 23/03/2024, às 11h00

Desenho de Marielle -

Palavras à procura de se fazer papel

 

A morte de Marielle Franco, que foi covardemente executada, em companhia de Anderson Gomes, na cidade do Rio de Janeiro no dia 14 de março de 2018, completou seis anos. Um crime hediondo que turbinou decisivamente a escalada fascista no país.

Lerão parte desta coletânea que tem a participação de trinta (30) escritoras pretas e negros escritores. Que tem a missão de fazer em papel essas indicações. Leiam. Comentem. Divulguem. Colaborem para a concretização deste livro: Rosas para Marielle.

O JARDIM DA AUSÊNCIA, por Roberta Borges

Para meu pai

Para minha mãe

Para o meu irmão

Flores de um pedaço triste

Da vida que já está perdida.

A família chora.

As pessoas choram.

O coração sangra...

Marielle continua sendo flor,

Mesmo com lembranças

De um cenário de horror:

Sua morte

O vazio

A voz que se calou

O silêncio doído

Presença na ausência

Ausência da presença

Não temos respostas...

A pergunta nos rodeia:

Quem matou Marielle?

Não sabemos

Ouvimos apenas

A voz de um buraco

A dor dos espinhos

Da saudade que ela deixou

Marielle

não está mais em matéria

Mas continua sendo flor.

Roberta Borges: natural da cidade de São Gonçalo - RJ. Professora há 30 anos. Leciona Português e Redação para turmas intensivas preparatórias para o Enem e concursos em geral. Mestra em Língua Portuguesa. Especialista em Leitura e Produção de Textos./@mestradaescrita1

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POR VOLTA DAS 21H30 DESTA QUARTA-FEIRA, por Plínio Camillo

Uma profunda tontura enquanto entra no carro ... devia ter comido aquele bolo ...devia tanta coisa ...

Fecha os olhos, inspira.

Solta o ar fazendo barulho. Anderson sorri e Fernanda estranha.

Naquela piscada, do cinza presenciou luz, gritos, seu nome sendo quebrado, filha chorando, irmã triste, pais desconsolados, amor desesperada e não sabia onde estava.

Devia ter tomado mais café ...

Papeado um pouco mais ... Ter repetido que ser mulher negra é resistir e sobreviver o tempo todo. Devia.

Sono e animação. Muito o que fazer. A luta não está no fim!

Relembra que na zonzeira ouviu lamentos, mentiras, inverdades, pedidos, orações, lamurias e a sua voz em diferentes modulações. Ecos: Os nossos corpos, o nosso transitar, a nossa mobilidade sempre fica ameaçada.

Dá vontade de chorar.

Desespero do inevitável.

Depois, por fim: tranquilidade de retirar um curativo de uma ferida que já sarou.

Ri. Fernanda sorri e Anderson estranha

Primeiro tiro ...

 

MAMÃE CHOROU, por Benedita Lopes

Chorou a dor de outra mãe, ao ver na notícia extraordinária, a morte daquela mulher de sorriso largo.

Perguntou a si, como quem ao mundo indaga: “Qual injustiça sentenciou este crime?”

Mamãe abandou a louça, acendeu uma vela para o nosso retrato, e silenciosamente chorou as nossas mortes. Fora também cinco tiros, na cabeça, e a desculpa de nos terem confundidos com dois criminosos iguais a nós.

Mamãe lembrou com revolta do argumento da vizinha: — os bandidinhos estavam acima de qualquer suspeita, cara de anjo, olhos claros, cabelos, apesar de cacheados, aloirados, enquanto seus filhos têm a cor da suspeita.

Mamãe chorou a dor de outra mãe.

Não. Não comparou, aquela dor a sua, embora fosse dor de mãe com filhos assassinados.

Mamãe sentiu pela notícia, a busca pela justiça ser plantada qual semente.

Mamãe silenciada pelo pranto, fitou seu olhar nos olhos de nosso retrato e reverberou em seu corpo trêmulo: “Marielle, presente.”

Benedita Lopes: andreense, filha de Josefina e Belchior, é amante das palavras, habita quilombos literários como Cadernos Negros Volumes 37 – 40 – 41- 43 Quilombhoje; Parto Normal; O livro Das Marias III, Mulheres Das Águas II este como prefaciadora. É autora do livro porções para se acordar presentes – Editora FEMINAs – selo Dandara – 2021. E considera a escrita ato político.

 

VITÓRIAS E BATALHAS, por Diogo Nógue

O cheiro de café recém passado vagueia pela casa. Elewa prepara a mesa da cozinha para ele e sua filha.

Bolo de fubá, mandioca cozida, pão e geleia de acerola. Lábara desce as escadas, desperta pelos aromas da manhã, desejando um bom dia.

— Bom dia Srta Presidenta! dormiu bem?

— Ai pai, demorei pra pegar no sono, não acredito que vencemos!

Olhou para a mesa com alimentos preferidos dela e da mãe. Foi até Elewa abraça-lo.

— Obrigado por tudo!

— Eu que agradeço, filha. Sua trajetória é vitória para todos nós. Sua mãe ficaria orgulhosa.

Comeram saboreando cada segundo daquela manhã. Lábara falava dos desafios e planos para seu mandato. Elewa via o brilho no olhar da guerreira que ajudou a criar.

Assessores e amigos parabenizando-a por ligações e mensagens, outros elogiando o discurso em que saudou as que vieram antes dela, Aqualtune, Dandara, Tereza, Antonieta, Benedita, Marielle.

Mais tarde, vendo a filha saindo, Elewa sentiu medo. Sabia que venceram apenas uma batalha.

Diogo Nógue: é artista visual, professor, ilustrador e escritor. Natural de Suzano, onde atua como Arte Educador, cresceu na zona leste de São Paulo. Na arte, desenvolve sua pesquisa em pintura, desenho e objetos. Como escritor publicou os livros "Pedra Polida" e “Retratos Apagados”, e também finalista do Premio Jabuti de 2022 com a antologia ‘PRETOS EM CONTOS -Volume 2”

 

SOPRO DE VIDA, por Neide Lopes

Mulher preta que andava por entre todes , sua história vinha de outras que a antecederam, sentia-se acessando o espaço que tinham roubado de ti. Para ela não importava sexualidade, cor de pele e sim se naquela comunidade tinham ou não violado   direitos.

Mimica perdia noites de sono, tentando refletir e planejar o que faria para Maria não dormir mais nas calçadas da maré, esta mulher tinha que ter um teto.

Horas fazia isto por sua atividade profissional e em outros momentos por se tratar de uma irmã preta, que assim como ela os obstáculos sempre eram maiores que de outros.

Pensava sempre na dispersão do navio negreiro e da divisão que nos dividia e nos unia.

Como um sopro de luz um dia Mimica vivendo como um vulcão resolvendo conflitos sociais e no outro voa como uma águia e passa a estar em nossas mentes acima de nós, a maré toda chora e ela sempre sobrevoando nos cerca protegendo as mulheres que estão tentando ser águias.

Neide Lopes: Assistente Social - especialista em Gênero e Diversidade. Participou das coletâneas Pretumel De Chama e Gozo – Antologia da poesia negro-brasileira erótica,2015- Ser Prazeres transbordações eróticas de mulheres negras, 2020, Preto em Contos – Volume 2, 2021.

 

ENQUANTO ÂNGELA ESTAVA ALI, por Negro Du

Com a cara enfiada entre as pernas dela, Ângela beijava aquela vulva com prazer, enquanto ouvia os gemidos. Em sua mente passava a ideia de ter encontrado alguém que valesse a pena namorar por um ano, dois, dez, ou o restante da vida.

Diante de seus olhos, naquela posição de graça, Ângela sentiu algo novo, era uma felicidade que era vibração que era amor que era alegria que era dor que era falta que era cinza que era apertado que era gozo.

Naquelas pernas, Ângela se viu criança, quando chupava melancia no quintal de sua avó, e na delícia vermelha, lhe agradava o lambuzo que fazia.

Nas negras pernas dela, Ângela sentiu a mesma paz que teve ao segurar a mão de Eva, quando juntas entraram na formatura da 8⁰ série.

Ângela estava radiante ali, ao mesmo tempo que acariciava aqueles seios-torres que eram acobreados com a luz que passava pela janela azul, a quebradinha do lado direito.

Ângela a via se estremecer de deleite, então quis saber.

— Seu nome?

— Vera... é Vera.

Negro Du: Baiano de Salvador, sagitariano amante das artes, curioso das letras, inventor de histórias que já tenham acontecido ou que vão acontecer. Estudante de teatro desde os 14 anos, ainda continuo aprendendo, hoje na Universidade Federal da Bahia (UFBA), lugar que muito me ensina sobre minha existência como cidadão brasileiro, negro, gay e artista neste mundo.

 

CICLO, por Ifè Rosa Oadq

A mãe sempre contou que Jurema foi alimentada por leite e lágrimas: No dia que nasceu teve uma salva de tiros e o seu pai morreu com uma bala perdida.

Na adolescência, não se conformava com a vida na comunidade. Um pouco pela raiva outro tanto pela falta do básico.

Quando já era moça feita, via os olhares maldosos em suas curvas. Mas o que realmente chamava atenção era seu olhar de navalha afiada.

Sua mãe seguia alimentando a filha, mais agora com feijão e raiva: duas pretas mulher desafiando a vida ali.

Quando conheceu Dandara sentiu seus pelos, sua respiração, tudo se desalinhar de amor! Em dois meses eram o casal mais lindo que já se viu! Dandara mostrou outro lugar para concentrar sua raiva: em quem dava as regras do jogo.

De aniversário, Dandara a presenteou com um cômodo onde daria aulas para as crianças da comunidade: era tudo que mais queria!

No dia em que Jurema morreu, teve uma salva de tiros, rotineiros na sua comunidade. Dessa vez a bala perdida encontrou ela.

Ifè Rosa OADQ: Filha de Dona Ana e Seu Apolônio, mãe de Ana Mel, Maria Luz e Jorge Bem. Mulherista AfriKana, Pretagoga, Educadora Social, Escritora e Arteira. Pesquisa desde 2013 formas de combater o racismo estrutural observando a arte/cultura/educação como estratégia para sensibilização e fortalecimento do povo preto. Atua em palestras, vivências artísticas/ culturais, oficinas, mediação e produção cultural. Participa dos Coletivos DiadeNega e Posse Hausa.

 

VAGANDO, ANDO..., por Rogério Adriano Silvestre

Levanto-me subitamente de um sono terrível... parecia ter dormido há tempos! Tudo está tão confuso e ainda não percebo onde estou, qual é o meu lugar.

Minha vista, ainda turva, não percebe o que se sucede ao redor. As ruas estão mais povoadas do que nunca, porém, ninguém parece notar a minha dor existencial.

Caminho por entre as ruas e percebo uma gama de gente que não estava ali antes. Eram famílias inteiras, muitas improvisadas em barracas, embaixo de pontes e em praças. Algo havia mudado.

Minha cabeça dói muito, e a coloco entre as minhas mãos, e sinto três buracos... e as lágrimas se derramaram, em um vermelho intenso. Com a manga de minha larga camisa, enxugo-as e posso observar um imenso mural com os dizeres: “Marielle Presente”!

— Sim, claro que estou presente! — murmuro um pouco incrédula!

Porque não estaria?

O caminho parece confuso, e não sei mais para onde sigo. A minha única bússola é o que me trouxe até aqui: o encanto pela vida!

Rogério Adriano Silvestre: Assistente-Judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo, Especialista em Políticas de Drogas, Direito Penal e Processo Penal e Direitos Humanos e Educação. Também Dj, Pai, Filho e Espírito, nada Santo.

 

MÃOS LIMPAS, por Sued Fernandes

Ela subiu as escadarias do Palácio, como se a casa do povo como se fosse, acompanhada de gente com seu jeito, seu cheiro e sua cor de favela.

Evitou formalidades, recusou minhas homenagens, não tinha papas na língua.

Resolvi interromper sua fala e quebrar seu dedo em riste, a insolente não parou.

Atraia a todos como o sol.

Seu brilho me ofuscava.

Minha fé me impedia de usar as minhas mãos. Então chamei uma mão suja para apertar o gatilho.

Sorri no primeiro, festejei o segundo, gargalhei a cada um dos impactos que seu corpo sentia.

Estava feito!

Mandei apenas uma para a região do silêncio, como milhões são as vozes que gritam no meu sono, infernizam minha vida, ostentando uma flor na mão e punho cerrado na outra?!

Pela memória das famílias de bem brasileiras!

Por Deus, acima de tudo!

Ela não deveria ter feito esse povo acreditar que era gente...

Que poderia sonhar, porra!

Sued Fernandes: Mulher preta, carioca, suburbana, graduada em pedagogia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pós-graduada em psicopedagogia diferencial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com participações em diversas antologias da literatura negro-brasileira, atua como educadora da rede pública da baixada fluminense.

 

A MENINA QUE SONHAVA GRANDE, por Miriam Vieira

No Complexo da Maré, a pequena Marielle assiste televisão com a mãe, Dona Marinete.

Na tela uma invasão policial na Rocinha:

— Mãe, quando eu for grande, vou ser política e acabar com isso.

— Isso o quê Marielle?

— Isso de entrar na favela atirando em tudo.

— Filha, seja o que você quiser, mas plante os pés no chão, na realidade.

— Ah..., mas e o sonho? A senhora fala que pra sonhar tem que voar.

— Vou cuidar da vida. E você fique bem acordada e termine a lição.

— Tô acordada mãe. E sonhando. Mas bem acordada!

Ela cresceu. Estudou, batalhou, teve filha... e o sonho: eleita vereadora!

Orgulho pra família!

Leitor(a)s pensarão: foi fácil. Não foi! E não é.

Combater desigualdades nunca é fácil.

A menina criou asas tão imensas que foi abatida a tiros. Tiraram dela o sonho. De nós, não.

Marielle, gigante, vive.

Vive diariamente nos quatro cantos do mundo. E em toda comunidade nascem, crescem e lutam Marielles chamadas de Marias, Joanas, Pérolas, Antônias, Anielles... Esperança!

Miriam Vieira: é atriz, diretora de teatro, produtora Cultural e Afroempreendedora. As vezes comete escritas. Nascida em São Vicente SP. Dirige a Cia Cena Preta. Cia Trilha. Cia Teatral Cenicomania. É ativista de movimentos culturais.

Quem é Plínio Camillo

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Nascido em Ribeirão Preto em 26 de novembro de 1960, reside em SãoPaulo, capital, desde 1984, tendo vivido em Santo André, Piracicaba e Campinas. Escrevinhador. Ator, consultor literário,roteirista, diretor teatral, palestrante,consultor educacional, oficineiro, educador social.

Apresentador do programa do YouTube : Notas de Escurecimento

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