Entenda como a aprendizagem autogerida se adapta às mudanças rápidas do mundo moderno e suas implicações na educação
Emanoel Ceress* Publicado em 01/12/2025, às 06h00
Um mundo de transformações requer sempre novos conhecimentos. Incertezas diante do novo, progressos rápidos na esfera tecnológica e o entusiasmo com e pelas mudanças exigem sempre dos indivíduos adaptações efetivas, e estas adaptações se dão com a aquisição de competência e habilidades baseadas nas exigências de um novo contexto. É nessa atmosfera que se dá a necessidade denominada “aprendizagem autogerida”, entendida como um processo de iniciativa pessoal que consiste em identificar as próprias necessidades de aprendizagem. Mas não é só isso. As características de gerenciar o próprio processo de aprender estão contextualizadas numa dinâmica social que envolve necessidades, preferências, iniciativas, projeções e motivações. É importante destacar que tudo isso se dá numa esfera de transitoriedade, onde as mudanças no cenário mundial ocupam um lugar muito maior de dinamismo nas vidas pessoais.
Esse cenário pode ser traduzido no que o filósofo Zygmunt Bauman denominou de “modernidade líquida”, em oposição a uma pretensa “modernidade sólida”, esta entendida pela estabilidade e previsibilidade das identidades sociais e formas de vida. Nesse sentido, desenvolvemos o conceito de modernidade sólida como fundamento da perspectiva de aprendizagem “heterodirigida”, situada historicamente em seu quadro de “reprodução social”, termo este usado pelos pensadores Bordieu e Passeron e que corresponde, nessa perspectiva, ao contexto ao qual estamos tratando.
Em seguida, contemplaremos a abordagem da aprendizagem autodirigida a partir da contextualização de John Seely Brown e Ann M. Pendleton-Jullian, que entendem as novas necessidades de enfrentamento do mundo em face das condições da era tecnológica. Por fim, faremos uma associação da nossa temática à dimensão do Design Instrucional, onde trataremos das relações e necessidades dessa arquitetura de aprendizagem para a inovação contida na atmosfera epistemológica da “autogestão”.
As demandas de uma sociedade tecnológica nos entrega a ideia de inovação, e a inovação por sua vez nos faz retornar ao anterior, mais antigo e até ultrapassado. Embora não possamos dizer que haja formas ou estruturas de aquisição de conhecimentos melhores do que outras, e que cada momento e particularidade históricos demandam ideias e referenciais condizentes com a realidade vigente, o conceito de “aprendizagem autogerida” nos aponta uma proposta nova mas também uma crítica. Isso porque as condições da autogestão pressupõem a superação de toda uma base pedagógica de ensino e aprendizagem na qual o conhecimento é direcionado, heterônomo, selecionado e prescrito, em forma, processo e conteúdo. Assim, quando pensamos no conhecimento, como de fato ocorre, expressamos um recorte do que é direcionado para ser aprendido, com quais objetivos e de que forma. A abertura para os indivíduos aprendentes ousarem na própria aquisição de aprendizagem tende a ser diminuta até os dias atuais.
Tudo isso devido à forma como foi desenvolvida a ideia de “ensino”. Sobre esse panorama a pesquisa sobre Aprendizagem autogerida, desenvolvida por mestrandos em Educação Profissional e Tecnológica do Instituto Federal de Santa Catarina (ProfEpt), sintetizam:
O fato é que nascemos aprendizes autodirigidos, mas por anos fomos expostos a modelos que nos ensinaram que, para aprender alguma coisa, dependemos de alguém que nos ensine. Aprendemos que precisamos de um professor para poder aprender qualquer coisa, aprendemos que tem hora de aprender e hora de se divertir, e que as duas são separadas. (Laurentino; Paulesky & Bleicher, 2024, p.15)
Essa é a forma como a denominada “aprendizagem heterodirigida” está presente nos nossos currículos obrigatórios. Com isso, apesar dos currículos formais divulgarem algumas fendas para inserir-se conteúdos e saberes, associados ao contexto da nossa época como “Era da informação”, houve sempre a tendência a delimitar o aprendizado a partir de uma “espera” de conteúdos, de uma demanda que vem de cima para baixo, longe de escolhas e de preferências do público-alvo do currículo.
Assim, a trajetória do processo de ensino e aprendizagem mostra-nos modelos de currículos organizados em torno de um grupo de conteúdos em detrimento de outros. Em relação ao “como ensinar”, lidamos com metodologias que enfatizam modos de proceder em sala de aula, instrumentos a serem utilizados a partir de objetivos bem determinados. Sem contar que compreender o “porquê” dos conteúdos e métodos selecionados, o “para quê” que tudo seguiu um formato determinado e não outro, envolve um tipo de sociedade predeterminada, que pode ser descrita, prevista e até projetada.
É importante mencionar toda uma estruturação social que Pierre Bourdieu e Passeron analisaram ao concluir que a Era do capital promove a reprodução da sociedade, com desigualdades, saberes, ordem social e atmosfera simbólica, que inclui crenças, ideias e verdades determinadas. Na obra intitulada “A Reprodução” , os autores expressam a educação como elemento de continuidade histórica que possibilita o que chamaram de “reprodução do arbitrário cultural”, condição resultante da mediação que a escola faz ao propagar hábito de produzir práticas de acordo com a “transmissão da formação como informação capaz de “informar” duravelmente os receptores” (Bourdieu & Passeron, 1992, p.44). Mais adiante os autores explicam que essa forma de procedimento na ordem da cultura equivale ao que o capital genético é na ordem biológica. Com isso, os pensadores descrevem a formação escolar numa espécie de enraizamento da formação, uma constituição de subjetividades produzidas para o exercício de manutenção da ordem vigente. O indivíduo é formado com informações unidirecionais, que não dão margem para além das estruturas delimitadas.
Nesse sentido, a aprendizagem autogerida apresenta-se numa necessidade de quebra de paradigma. Os aspectos de ultrapassagem de um tipo de ordem estabelecida, para conquistar o espaço necessário de uma transposição de perspectiva, se inscrevem na atmosfera tecnológica de um mundo em constantes mudanças, assim como Zygmunt Bauman cunhou o conceito de “modernidade líquida” para expressar a fluidez, agilidade, instabilidade e indefinição, resultantes de rápidas mudanças materiais e na forma de pensar. Diferente da previsibilidade social que possui uma estrutura sólida, a “modernidade líquida” lida constantemente com a necessidade de resiliência dos indivíduos diante das mudanças, fracassos e crises.
Para o pensador, o resultado da vivência social é nesse contexto “uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e o peso da trama dos padrões e a responsabilidade pelo fracasso caem principalmente sobre os ombros dos indivíduos.” (Bauman, 2011, p. 13). O pensador descreve a instabilidade decorrente da permanente atualização da sociedade pós-moderna bem como as crises provenientes dessa esfera.
A partir daí, parece clara a necessidade de os sujeitos lidarem com a instabilidade em face das atualizações tecnológicas que se desenvolvem em função de promover novos domínios científicos. As informações estão longe de serem unidirecionais, seja na demanda de novas profissões, na multifuncionalidade dos profissionais ou no provimento de outras necessidades emergentes, provenientes de elementos tecnológicos que proporcionam, cada vez mais, maior complexidade social.
Seely Brown e Pendleton-Jullian (2018) também lançam mão de uma analogia para descrever as demandas de uma sociedade tecnológica. Na obra intitulada Design Unbound: Designing for Emergence in a White Water World (Design Unbound: projetando para emergir em um mundo de água branca), o autor faz alusão à espuma branca que surge nas águas com movimento, turbulências, num agito dado o movimento do vento, do movimento ou da queda d'água, onde a capacidade de adaptação e flexibilidade para quem nelas se encontram são essenciais para a evolução orgânica de todo o processo. Emergir na efervescência da pós-modernidade requer busca e fortalecimento do sujeito em diversos níveis. O próprio sentido do termo “Design Unbound” se expressa na ideia de estar apto, ter habilidades para um desenho ou projeto adaptável, aberto, ao mesmo tempo que disruptivo, não-rígido, passível de ser acessível a uma diversidade de perspectivas e necessidades individuais no mundo complexo. Esse desenho ou projeto é o do mundo em transformação, onde saberes, competências e habilidades devem emergir e isso depende da busca dos indivíduos para a autoconstrução não rígida, disruptiva e aberta ao novo.
É assim que o interesse pelo protagonismo desenvolve novas formas de aprendizagens que vise a não-espera, a disrupção, a mudança de mentalidade diante de necessidades emergentes. A motivação individual seja esta interna ou externa, precisa existir nesse processo e é esse o contexto que requer uma aprendizagem autogerida.
Formações à distância, pesquisas individuais, questionamentos inovadores, ideias que se sobressaiam num plano estruturado requereu o design instrucional, uma arquitetura pedagógica que visa estruturar materiais de ensino para ajudar os alunos a aprenderem. Envolve “a identificação dos objetivos de aprendizagem, a seleção e organização do conteúdo, a escolha de estratégias de ensino apropriadas e a avaliação do sucesso da aprendizagem.”. (Rios; Fernandes; Gomes; Silva & Bohre, 2023, p.07). Barros; Escobar; Ribeiro; Silva & Narciso (2023) apresentam uma análise em torno do que a plataforma Moodle pode oferecer. Sendo um ambiente virtual de aprendizagem, possibilita o gerenciamento de cursos online projetados para serem realizados sem tutoria paralela.
Assim, a era da informação pressupõe condições para que a aprendizagem autogerida ocorra. Uma multiplicidade de caminhos, teorias, perspectivas, notícias, informações estão disponíveis como espécies de "hiperlinks” para completar ou complementar informações em conteúdos de interesse dos indivíduos. Nesse sentido, assuntos e temas remetem a contextos, estruturas e outros assuntos que podem vir a suprir as demandas de interesses de quem busca construir sua aprendizagem por conta própria. O Design instrucional estrutura-se com esse objetivo de oferecer um conjunto de possibilidades estratégias para desenvolver aprendizado e experiências condizentes com as necessidades dos alunos. Com isso, a aprendizagem autogerida pode encontrar suprimentos de maneira facilitada e eficaz.
Há muitas reflexões sobre a aprendizagem autogerida relacionadas às implicações que este processo pode ocasionar. A Independência em auto-orientar-se nas escolhas e processos dá abertura para criações e inovações imensuráveis, dada a amplitude tecnológica que possibilita acessos e facilidades nunca vistos antes na história. Ao promover habilidades de desenvolvimento no conhecimento, a aprendizagem autogerida revela-se uma ferramenta grandiosa diante das disposições da pós -modernidade. O protagonismo em antecipar-se às crises demanda a capacidade de adaptações e resoluções de problemas próprios da complexidade do mundo contemporâneo. Nesse sentido, aprendizagem autogerida aparece como necessária para abarcar os desdobramentos sociais, tal como definido na modernidade líquida de Bauman ou nas águas brancas de Brown e Pendleton-Jullian.
Assim, a superação de um cenário educacional preso numa grade de conteúdos reprodutores de uma sociedade heterônoma, onde os indivíduos tendem a não pensarem por si mesmos é urgente, e esta saída pode significar a melhoria do Brasil no ranking educacional internacional, por exemplo. O fracasso da qualidade da educação, dados os baixos índices de melhoria dos quadros nacionais avaliativos, pode ter como uma das causas o distanciamento currículo de elementos que podem operar no processo de aprendizagem significativa. Novas perspectivas como as existentes nas metodologias ativas estão cada vez mais inserindo-se no sistema educacional de modo a desenvolver personalidades protagonistas. Dito isto, a relação com design instrucional possibilita a criação de uma estrutura de educação diversificada, flexível, com alcance para ajustes conforme as necessidades dos indivíduos. É a era da personificação de gostos, modos, preferências, que ganha suporte na era de tecnologias de transmissão do tipo streaming, o que é visto ocorre conforme demanda pessoal em tempo real.
A aprendizagem autogerida abre o espaço necessário para as individualidades do aprender. Nesse sentido, o Design Instrucional tende a operar na criação de materiais com estruturas e recursos que visem as melhores possibilidades para a motivação e a autonomia que conduzem à busca pelo progresso do conhecimento.
Referências Bibliográficas
Laurentino, F.; Paulesky, I. & Bleicher, J. (2024). Aprendizagem autodirigida. [e‐book] Santa Catarina: IFSC.
Disponível em 10 de dezembro, 2024, de https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/734901/2/Aprendizagem_Autodirigida_impress o.pdf Bourdieu, Pierre & Passeron, J. C. (1992).
A Reprodução. (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Livraria Francisco Alves Editora. Bauman, Z. (2011). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
Seely Brown, J. & Pendleton-Jullian, Ann. (2018). Design Unbound: Designing for Emergence in a White Water World. Cambridge, MA: MIT Press.
Rios, F. S.; Fernandes, A. B.; Gomes, F. B.; Silva, M. V. & Bohre, T. P. (2023). Aprendizagem autodirigida e design instrucional: caminhos para a aprendizagem. Revista Amor Mundi, Santo Ângelo, 4 (5), 3-8.
Barros, A. M. R.; Escobar. C. T.; Ribeiro, M. H.; Silva, M. V. M. & Narciso. R. (2023). Aprendizagem autogerida e os cursos online sem tutoria: uma reflexão sobre cursos oferecidos na plataforma Moodle. Revista Amor Mundi, Santo Ângelo, 4 (6), 167-168.
*Emanoel Ceress é Emanoel Rodrigues da Silva, intérprete de língua inglesa, professor de inglês no Gran Cursos Online, especialista em Linguística Aplicada e em Psicopedagogia. Professor de inglês e também tem um canal no youtube.
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